quarta-feira, 25 de maio de 2011

Hoje é o Dia do Orgulho Nerd!




Taí em cima a foto, para os que gostam de estereótipos. Mesmo porque "estereótipo" é uma palavra bem nerd. Bem, para você que não conhece sobre o assunto nada além dessa imagem, é preciso saber que ser nerd costuma ser congênito; grande parte dos nerds que eu conheço, a maioria, na verdade, nasceu nerd. Daquele que, quando era adolescente e tomava uma esnobada da menina mais bonita da escola, suspirava aos céus, indagando: "por que nasci assim?" Mas nerdice também é contagiosa; conheço alguns nerds que se tornaram nerds depois de crescidos, geralmente por influência massiva ou insidiosa de algum nerd nato. Poucas coisas fazem um nerd mais feliz do que converter algum amigo ao seu calvário. Afinal, ele vive sitiado num universo todo dominado pela caretice, mesmice e falta absoluta de criatividade e imaginação. Peraí, eu disse "todo"? Não! Um pequeno universo nerd resiste bravamente ao domínio invasor!


Esse pequeno universo, seja pela proliferação de novíssimos nerds na medida em que seus pais conseguem se reproduzir em cativeiro, seja pela ação de nossa secretíssima e jamais mencionável jihad, se encontra em franca expansão. Especula-se que os primeiros perfis nerds começaram a se desenhar por volta dos anos 50, encontrando terreno fértil no boom de revistas pulp e de filmes de ficção científica ocorridos nos Estados Unidos. Nas décadas seguintes, o contraste entre essas curiosas criaturas e seus nêmesis bad boys e quarterbacks ficou cada vez mais evidente no cinema camp da América do Norte. Desde então os perfis nerds foram se multiplicando e diversificando, e a globalização permitiu sua adaptação progressiva às mais diversas culturas do mundo.


Hoje, a foto estereotípica que inicia este post, pelo menos aqui no Brasil, não define mais o padrão nerd típico. Ela está para o mundo nerd como a space opera está para a ficção científica em geral, se é que você, nerd, me entende: talvez seja a mais popular, a mais pitoresca e mais divulgada nos meios não-nerd, porém não corresponde necessariamente ao que significa ser nerd. Talvez, dentro das ramificações e mutações sofridas pelo gênero ao longo dos anos, esteja melhor definida pelo termo "geek". E geek é nerd, mas nerd não é necessariamente geek. É muito mais!


Como já deixei escapar em um ou outro ato falho no texto acima, sim, eu sou nerd. Com muito orgulho! Do tipo puro sangue, de nascença. Quando cheguei à adolescência, fase em que os hormônios em ebulição começam a dificultar a vida do nerd, o filme que eu mais havia assistido na vida (e meu preferido) se chamava "O Dia em Que a Terra Parou" (a versão inicial, não aquilo que o Keanu fez). Meu heroi incontestável e insuperável se chamava James Kirk, e cruzava a galáxia (não "as galáxias", seu não-nerd burro!) ao lado de seu amigo nerd de outro planeta, que se você quiser irritar profundamente um nerd deve chamar de "Doutor" Spock. Eu colecionei o álbum de figurinhas da Nescau sobre a conquista da Lua, e tinha um foguete que subia a uns dez metros de altura impulsionado por um jato d´água. Mas, diferentemente do que costuma acontecer com os geeks, tive o cuidado de não me alienar: tive amigos, a maioria (obviamente) não-nerds, namorei com não-nerds, e acabei casando com uma não-nerd compreensiva (porque de besta não tenho nada). Investi no estudo (coisa que nerd costuma fazer bem) e em uma profissão que me permitisse ganhar a vida, e ainda ter tempo para coisas que eu considero importantes: viver fora da profissão, ser humano e ajudar a humanidade, e cultivar meus gostos nerds. Nerds sensatos acabam sendo valorizados por suas qualidades no mundo alienígena que o cerca, geralmente relacionadas a sua inteligência, que nerd costuma ter de sobra. É que nerd é interessado em leitura, lê de tudo, até porta de banheiro público, e sua curiosidade científica não tem limites. Por isso a razão do nerd integrado ao mundo fica afiada, e ele precisa se cuidar para não ser tão polêmico quanto sua natureza incita. Mas costuma ser admirado por seus dotes mentais. Ainda assim, nerd integrado não decuida da parte sensível, e é capaz de ser uma pessoa agradável e querida entre seus pares e não-pares.


Hoje, no dia 25 de maio, é o dia em que, há 34 anos atrás, estreou no mundo a obra canônica de ficção científica nerd Star Wars. Tive o prazer de assistir esse filme em sua estreia nos cinemas brasileiros, em um cine Jacques lotado. Anos depois, um nerd chamado Douglas Adams escreveu a saga mais engraçada do universo nerd, iniciada com "O Guia do Mochileiro das Galáxias". Nesse livro, Adams escreve longamente sobre a importância, onde quer que você esteja no universo, de ter ao seu lado uma toalha. Após sua morte, fãs nerds decidiram render-lhe uma significativa homenagem, e como isso foi feito pela primeiríssima vez em um 25 de maio, hoje também é o Dia da Toalha. Ou seja, o universo parece conspirar para que essa data ganhasse um status óbvio e merecido: hoje é o Dia do Orgulho Nerd.


Aqui vai minha homenagem e meu sincero abraço a esses abnegados outsiders que bravamente se proliferam pelo mundo, indo onde nenhum grupo simpático de intelectuais jamais esteve, e que a internet tem permitido que se unam e se fortaleçam.


Outro dia, sentado em um bar com amigos, eu contava a um deles (nerd) sobre minha visita à Forbidden Planet, antro nerd de alta qualidade em Londres. Ele imediatamente me provocou: "Qual é o planeta proibido?" E sem pestanejar, eu respondi: "Talos IV!" Meu amigo deu uma das melhores gargalhadas que já vi. É assim, com uma alegria pura, que um nerd saúda a nerdice de outro, porque sabe que essa nerdice é rara, mas muito saudável.


Se você não conhece bem um nerd, precisa. Acho que vai gostar. Comece assistindo "Big Bang Theory", a melhor série nerd de TV da atualidade, e depois vá à prática. Talvez um dia você consiga entender por que odiamos os midi-chlorians. E que Han Solo atirou primeiro. E por que o melhor filme, de acordo com a maioria, é o das baleias. Se não entendeu, pergunte a um nerd.


Vida longa e próspera a você, e a todos eles!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Vindos de Outra Dimensão

Vocês estavam achando que este é um post sobre ficção científica. Lamento decepcioná-los. Mas não fechem a janela ainda, porque pelo fato de não ser ficção, o assunto é ainda mais interessante!
Outro dia o Flamengo foi eliminado, na Copa do Brasil, pelo modesto time do Ceará. Uma jovem carioca, indignada, postou no Twitter comentários altamente ofensivos à (palavras dela...) "subraça dos bugres nordestinos". Diante da saraivada de protestos, e inclusive de ameaças sérias pela conduta racista, a moça apagou os posts, pediu mil desculpas e prometeu se afastar do Twitter por um tempo, tal era sua vergonha (sic). Disse algo do tipo: "não sei o que deu em mim, não tenho nada contra os nordestinos, falei por causa do Flamengo".
Você vai dizer: "Arrependida uma ova, ela ficou foi com medo das consquências. Se não queria dizer, por que disse?" Pode até ser. Mas suponha que seja verdade. Por exemplo, olhe para sua própria vida. Quantas vezes você não disse palavras a estranhos, ou pior, a seres queridos, que nada tinham a ver com o que você realmente pensa ou sente a respeito deles. Quantas vezes não experimentou a dor do arrependimento sincero por ter dito algo por impulso, que muitas vezes não combina com o que você é ou com o que pensa? É minha vez de perguntar: se não queria dizer, por que disse?
Algo tem que estar por trás disso. Algo que não é a própria vontade (sua porta-voz autorizada), mas que "toma as rédeas" e te faz agir em um rumo - bom ou ruim - que você não endoçou. Um pirata psicológico!
Você certamente conhece uma ou duas boas teorias para explicar isso. Bem, vou te apresentar mais uma. Pense a respeito. Concorde ou discorde. Mas, pelo menos, considere a seriedade da coisa...
Existe uma outra dimensão paralela ao nosso espaço quadridimensional. Nem tão paralela, porque ela interpenetra e influencia poderosamente esse mundo percebido por nossos sentidos físicos. Essa dimensão também tem habitantes. Eles nascem, crescem, se reproduzem e se movimentam completamente independentes de nossa vontade ou percepção. E o mais importante: de seu ambiente natural, que usam para se mover, se alimentar e se reproduzir, faz parte a sua mente! Vamos chamar essas entidades vivas e autônomas de "pensamentos".
Você é capaz de criar pensamentos. Para criar este post, tudo começou com um pensamento: "vou criar um post sobre pensamentos". Daí resolvi colocar o pensamento em prática e dar-lhe vida, assim organizei as ideias e comecei a prática da coisa. O resultado final, que você está lendo, é nada mais que a materialização do pensamento inicial. Mas o objetivo aqui é falar de outra classe de pensamentos: aqueles alheios à própria vontade. Aqueles que saltam de mente em mente, gerando filhos que se juntam muitas vezes, formando um verdadeiro "ambiente mental".
Você está sentado no auditório daquela palestra chata. Tem uma gatinha sentada do seu lado. Você puxa papo, e a conversa rende. Lá pelas tantas, alguém bate palmas. Você não está ouvindo nada da palestra. Você nem imagina (e não dá a mínima) para o que o palestrante falou. No entanto, você... bate palmas! Ele pode estar ofendendo sua mãe, mas você bate palmas! Pensamentos assim se alastram como fogo em capim seco. Não dependem da sua vontade, saltando de mente para mente, para se reproduzirem. O problema é que bater palmas, na maioria das vezes, é algo muito simples e sem maiores consequências...
Há pouco tempo atrás a imprensa noticiou, em BH, um verdadeiro massacre ocorrido no campus de uma universidade contra uma população de gatos vadios. O que mais chocou foi a barbárie: vários animais escalpelados, com a pele arrancada do corpo ou com as cabeças cortadas com tesouras. Passa o tempo, e mais histórias semelhantes pipocam em toda parte. A última foi ontem quando, em alguma cidade que não a minha, alguém colocou veneno num reservatório próximo a um zoo, que as pessoas usavam para alimentar gatos locais. Morreram vários felinos, um cão, e uma tribo oportunista de gambás incautos. Hoje o jornal me acorda com a notícia de que, em um bairro de BH, alguém deu uma garrafa de cachaça para um grupo de oito mendigos. Misturado na cachaça havia "chumbinho" (veneno para ratos). Mais uma vez foi obra de um covarde anônimo, pois é bem sabido que "filho feio não tem pai".
O pensamento de eliminar (sim, ceifar a vida!) de grupos que você desaprova ou que te incomodam não é novo. Hitler chamou-o de "solução final", e esse pensamento rendeu uma prole grande e complexa, gerando uma verdadeira rede de estabelecimentos e logística, objetivando a morte em larga escala, organizada e eficaz, de grupos populacionais.
Alguém protestará e dirá: "Ah, mas gatos não são gente, é muito diferente!" Amigos, o embrião da violência é o mesmo. O desrespeito à vida, e a presunção do direito que se tem de arbitrar sobre sua continuidade ou não, começa com os seres "inferiores", no caso os gatos, e em BH já está crescendo e atingindo os seres humanos considerados mais "inferiores", os mendigos. Para a "raça inferior" é um pulo.
Faz algum tempo que a imprensa praticamente parou de noticiar tentativas (bem sucedidas ou não) de autoextermínio. Perceberam que, noticiado um fato desse e a comoção que dele derivava, alguns outros casos semelhantes se seguiam. Empiricamente, a imprensa percebeu que pensamentos também se transmitem pelas ondas da TV, do rádio e do papel-jornal. Como os virus, se aproveitam oportunisticamente das mentes mais indefesas para se instalarem e causarem estragos.
A menina que chamou os nordestinos de "subraça de bugres", ainda que não pretendesse jamais encarcerá-los num campo de concentração (tenho certeza disso), ouviu comentários assim em algum lugar. Provavelmente em uma situação inócua: a indignação de um amigo em uma mesa de bar, uma revolta contra um flanelinha... Alguém exclamou "maldito paraíba", e na mente suscetível daquela moça plantou-se uma semente. Quando o time do coração sofreu tamanha humilhação, o pensamento viu a oportunidade ideal para ganhar corpo, e foi vomitado no Twitter inadvertidamente. Se houvesse pensado, mesmo que por puro medo das consequências, ela não postaria.
Assassinos de gatos e de mendigos escondem sua identidade porque sabem, ainda que de maneira instintiva, que uma vez cumprido seu objetivo, o pensamento se retira. Sobra seu fantoche, seu instrumento, aquele que deixou que ele se manifestasse. Esse é o que sofre as consequências, sejam quais forem.
Como uma jovem twitteira indignada, você também pode, num momento de inadvertência, ser veículo de um pensamento que tem uma índole completamente oposta a suas convicções. Basta subestimá-lo, e não ter a devida consciência dele.
Transformei essa realidade em alegoria em meu segundo romance, Casas de Vampiro (ESTE sim, é FC!), criando entidades que habitam essa dimensão mental, mas que são capazes de se integrar a seres biológicos para... OK, OK, sem spoiler! Vá lá e leia, poxa!
Fato é que os pensamentos são reais. Estão aí o tempo todo. São tão palpáveis pelas mãos do entendimento como objetos materiais são pelas mãos físicas. Ou pode ser outra a explicação, e isso tudo não tem nada a ver. Você é quem decide.
Porque (aqui vai um segredo) pensamentos podem ser dominados, organizados e usados com grande proveito na própria vida. Mas a conversa já vai longe, nem vou falar disso agora. Fui.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Song of Publishers and Writers























Saiba, ó Príncipe, que nos tempos antigos existiu um mundo onde escritores e editores se degladiavam em lados opostos de uma mesma guerra. De um lado, o autor apaixonado, puro fogo intelectual, tratando seu primeiro romance ("o primeiro de uma trilogia"...) como uma mãe coruja trata seu primogênito, aquele que um dia conquistará o mundo com as palavras. Do outro, o editor frio e calculista, sonhando com cifrões, olhando o mundo do alto de sua torre de vidro, sentindo-se o dono do mercado editorial como um Lex Luthor sem Superman.

Pelo menos essa era a imagem que eu tinha. Eu só não, que muitos de nós, aspirantes a atores no mercado editorial, tínhamos. Razões havia para isso. Eram incontáveis, e desesperadoramente comuns, as histórias sobre originais que eram enviados para editoras com a esperança da publicação, e que depois, sabia-se, iam parar em uma babélica pilha de papel por tempo indeterminado. Talvez infinito. O que para o escritor era a obra de uma vida, para o editor era "mais um". Depois de meses de angústia, alguns escritores recebiam a famigerada cartinha da editora: "Parabéns pela qualidade do seu texto, mas infelizmente..." É o equivalente editorial daquele fora que você já levou da colega de colégio, por quem você era perdidamente apaixonado, mas que gostava dos caras mais velhos: "Você é muito legal, e o problema não é com você, sou eu..." Outros não recebiam nem isso. Apenas o amargo silêncio.

Existia, sim, um abismo insuperável entre escritor e editor. Como não havia um diálogo direto, o terreno era fértil para especulações pessimistas e mal-humoradas. Fato inquestionável era que, se você não fosse escritor de pornografia, de revistinha pulp de faroeste e de menininhas, ou um fenômeno literário tipo Paul Rabbit (ainda em sua fase tupiniquim), a chance de publicar um livro no Brasil era mínima ou quase nenhuma. O editor era aquele cara que não queria publicar você. O escritor era aquele cara que devia aproveitar melhor seu tempo procurando um emprego decente.

Quando foi que a coisa mudou? E o quanto mudou realmente? Existe muita especulação em torno disso. Um argumento forte, com o qual concordo, foi a mudança do mercado. Filmes como a saga Star Wars atiçaram o gosto da meninada pelo fantástico, gênero que, para o público juvenil, estava afastado do cinema havia um bom tempo. Aqueles meninos cresceram, e seus filhos herdaram em boa parte o gosto pela ficção depretensiosa, não mais considerada alienante como ainda diziam seus avós mal humorados, escaldados pela Ditadura. Para a nova geração vieram novos filmes, como a saga de Harry Potter, Crepúsculo e Senhor dos Anéis, todas adaptações de obras literárias de sucesso no exterior. Ato contínuo, a atenção de muitos daqueles jovens cinéfilos voltou-se para os livros originais, que viraram best sellers também no Brasil. Estava criada a demanda.

Paralelamente, a internet transformou a aldeia global em um pequeno e apertado condomínio. Você sabia imediatamente o motivo da briga dos vizinhos por trás de paredes finas, e a fofoca se espalhava como a peste. Seus ídolos sagrados, seus desafetos e seus amigos estavam à distância de um clic.

Dessa nova geração, tecnológica, antenada e aficcionada (no caso da literatura de gênero), começam a surgir os novos editores. Aqueles que gostam de ler (porque mesmo nos velhos tempos não posso conceber um editor competente que não gostasse de ler...) e que veem no advento da tecnologia digital uma possibilidade economicamente viável de trabalharem com o que gostam. Esses estão por aí, acessíveis pela internet ou até pessoalmente. Como existem na literatura de gênero (e já são muitos, considerando...), acredito que existam também em outros nichos. Porém especulo se, no meio da literatura fantástica, esse fenômeno não esteja atingindo uma intensidade especial, já que vejo escritores que batalhavam nas fileiras do mainstream flertando com a prosa mais "metafórica".

Alguma coisa, é certo, não mudou: o escritor continua apaixonado. Caliente. Mãe coruja. O editor, embora mais audacioso, continua racional. Frio. Capitalista.

Quer se dar bem no mercado literário? Entenda algo desde já, pequeno sonhador: uma editora é uma empresa. Que visa o lucro. Se seu livro é seu xodozinho, para o editor ele é um produto de mercado. E pasme, isso não está errado! A partir do ponto em que você aceitar isso, a coisa começa a melhorar. Eu tenho aprendido muito em meus singelos embates com os editores. Depois que compreendi que ambos temos um objetivo em comum, fiquei mais razoável. Esse objetivo em comum é o leitor!

Braulio Tavares, um dos gurus de boa parte de nós, jovens escritores (estou falando de tempo de teclado, não de idade...) escreveu em um artigo que: "O leitor é a mãe do escritor, e o crítico é o pai". Perfeito. O que você espera do leitor é que ele, através do seu livro, te coloque no colo, te afague, diga o quanto você é lindo. Você quer sua aprovação e seu afeto. Quanto ao crítico, você até o desdenha, mantém uma distância prudente, mas intimamente o respeita e está, lá no fundo, ansiando por sua aprovação. O editor é o cara capaz, pelo seu conhecimento e postura técnicos, de tornar seu livro autoral palatável e atraente para alcançar isso!

Claro que a falta de paixão dele também é um defeito, que você não tem. Quando o editor não "sente" sua obra, é preciso que você seja eloquente para fazer com que ele, pelo menos, entenda seu ponto de vista. E felizmente, o grande diferencial que a nova realidade do mercado editorial trouxe em relação à Idade das Trevas foi o diálogo.

Tenho percebido que, quando nem meu editor e nem eu também estamos 100% satisfeitos, a coisa chega ao ponto ideal. Significa que você cedeu aos argumentos racionais dele, e ele também cedeu a sua visão onírica.

Fato é que, pensando e agindo dentro dessa linha, percebo que estou me tornando um escritor melhor. Pelo menos é assim que eu vejo.

sábado, 7 de maio de 2011

O Caminho das Pedras [3] - O Resgate









































O complexo e superinstigante relacionamento entre escritor e editor deverá merecer um tópico à parte. No momento, basta dizer que a internet veio demonstrar que, além de médico e louco, também de escritor todo mundo tem um pouco. O surgimento de sites dedicados à publicação de textos originais, na maioria das vezes curtos (crônicas e contos), eliminando as monolíticas dificuldades da publicação envolvendo editoras tradicionais em papel, fez surgir centenas de novos "escritores". Como qualquer produção massiva surgiu muita coisa de má qualidade, mais um monte de coisa razoável e promissora, e alguns novos autores a serem seriamente considerados. Constatava-se a existência de uma nova demanda literária, que desabrochava em uma tela de computador perto de você. E toda demanda acaba criando uma oferta.


A mesma internet, com a tecnologia digital, fez surgir as editoras sob demanda, investindo em tiragens menores, ditadas pela necessidade e pela capacidade de divulgação dos autores. Nessa esteira começam a surgir também as editoras que cobram do autor para publicá-lo. Pelo testemunho de alguns que recorreram a elas, admito que existem algumas que permitem ao autor conservar sua dignidade. Porém, o que mais tenho visto são aquelas que acabam "queimando o filme" do pobre sonhador, abortando o potencial de um futuro escritor com a publicação de material ruim, sem qualquer critério de qualidade; material mal amadurecido, precariamente trabalhado, tendo como critério soberano para publicação a simples troca pelo vil metal. E começam a surgir também, aproveitando inteligentemente a potencial demanda de novos autores, editoras menores com perfil tradicional, publicando em papel tiragens pequenas, porém com um criterioso trabalho de seleção e um franco diálogo com o autor. Garimpando exaustivamente em busca de autores de (bons) romances, produto ainda escasso no meio dessa nova geração, surgem no mercado miríades de coletâneas com as mais diversas propostas, aproveitando essa grande quantidade de autores de textos curtos, e não são poucos, fico feliz em admitir, os novos autores de qualidade ou de enorme potencial que tenho visto surgirem nesses livros.


Naqueles eventos literários a que fiz referência no último post, como o Fantasticon, comecei a travar contato com os responsáveis por essas últimas novas editoras, conhecendo-os e sendo conhecido por eles. Em minha experiência pessoal, tendo sido publicado em papel por quatro editoras diferentes, posso afirmar que sempre fui feliz nesse aspecto. Começaram a surgir em minha caixa postal os convites para participar de antologias fechadas, ou para enviar textos para concorrer à publicação em outras. As imagens contidas no início deste post retratam as capas das coletâneas de que já faço parte até o presente. São textos de ficção científica em alguns de seus subgêneros:




Em Paradigmas 2 (Tarja), meu conto Efeitos Adversos é uma FC que brinca com um dos recursos privativos do escritor, o de induzir a percepção do leitor atrelando-a à de um dos personagens. É um conto curto, que merece ser lido duas vezes seguidas, pois fatalmente isso será feito sob duas perspectivas distintas. Conta o drama de um cientista que começa a experimentar modificações inesperadas em seu próprio corpo, após um acidente envolvendo uma forma de radiação desconhecida.


Em Imaginários 1 (Draco), meu conto se chama Twist in my Sobriety. Totalmente inspirado pela música homônima, cantada por Tanita Tikaram, faz uma reflexão sobre a hiperexposição pessoal, tão em moda através de reality shows ou de comunidades sociais da internet. Retrata o romance entre um homem amargurado e uma cantora de bares noturnos, num mundo que se adapta à presença de uma estranha raça alienígena.


Por um Fio, conto publicado na antologia Steampunk - Histórias de um Passado Extraordinário (Tarja), é minha estreia no gênero steampunk da FC. Traz um duelo em alto mar, de recursos bélicos e de honra, entre dois personagens bastante conhecidos pelos leitores dos grandes autores da ficção científica clássica.


Na antologia Vaporpunk (Draco), de autores brasileiros e portugueses, surge minha primeira noveleta publicada: Os Primeiros Aztecas na Lua. Situa-se no mesmo universo ficcional do conto Por um Fio, que chamei de "Guerra Fria Vitoriana". Ao mesmo tempo steampunk, ficção alternativa e história alternativa (três distintos subgêneros da FC), retrata o embate entre agentes secretos a serviço do Império Britânico e do Império Francês, as duas grandes potências rivais ao final do século XIX, nesse mundo alternativo.


A antologia Assembleia Estelar - Histórias de Ficção Científica Política (Devir), é uma coletânea que traz autores de três países: Brasil, Portugal e EUA. Deste último, figuram três expoentes consagrados da FC contemporânea: Ursula K. Le Guin, Orson Scott Card e Bruce Sterling. Nesse livro tive o prazer de ver publicada minha noveleta O Grande Rio, certamente o texto curto que mais me deu trabalho em termos de pesquisa, mas do qual me orgulho muito. Um agente vindo de um mundo futuro devastado por uma guerra mundial volta no tempo até Dallas, em 1963, com uma missão de crucial importância: assassinar o presidente John Fitzgerald Kennedy.


A primeira imagem, no alto e à esquerda, é a capa da antologia Space Opera (Draco), que será lançada no próximo dia 04/06, na livraria Martins Fontes da Avenida Paulista (SP), às 15h. Minha noveleta se chama Pendão da Esperança, e conta a histórica do dramático primeiro contato entre a humanidade e uma inteligência alienígena, representadas por um monstruoso e mortal artefato e uma nave espacial... brasileira.


Além das antologias citadas, saiu pela editora Tarja meu segundo romance, Casas de Vampiro, do qual pretendo falar futuramente. Em termso de trajetória até aqui, penso que por enquanto seja o bastante. Inté.













































segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Caminho das Pedras [2] - A Missão























Quintessência, meu primeiro romance, serviu como um cartão de apresentação de luxo. Uma impressão de qualidade e o ISBN facilitam as coisas. Além das livrarias de BH, onde não tive dificuldades, de forma geral, para deixar o livro em consignação, vendi o livro em sites de vendas na internet, e também muitos por e-mail. Meu livro circulou de norte a sul do Brasil, desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, e um exemplar foi parar na Holanda. Tempos depois fiquei sabendo que um cara o incluiu em um trabalho acadêmico em Petrolina, e não faço ideia de como esse livro foi parar lá.




Participando do grupo de discussão do CLFC, pela internet, fiquei conhecendo (virtualmente) o que considero a linha de frente do fandom (leia-se "domínio dos fans") da literatura fantástica. Fiz amigos, e no começo participei de umas duas ou três brigas (podem ter sido mais, mas só me recordo daquelas de que me orgulho). Você tem que entender o seguinte: o leitor/escritor de ficção científica, em média, é intelectualmente diferenciado. Quero dizer com isso que geralmente é uma pessoa com uma característica importante: o interesse no conhecimento, seja ele de que ordem for; a curiosidade quanto ao científico, que acaba respingando para todos os lados, sejam acontecimentos da Natureza, sejam realizações humanas. Isso faz dele, muitas vezes, um cara crítico. E seu acúmulo de informação faz dele, muitas vezes também, um cara vaidoso. Ou como se diz, "de ego inflado". Novatos, quando entrei em campo, eram frequentemente tratados com desdém por alguns, com uma espécie de "bullying nerd" que, felizmente, tenho observado com menor frequência nas novas gerações. Assim, a curiosidade que meu livro gerou no fandom foi positiva para minha aceitação. Nas palavras de um amigo (outrora virtual): "Quem é esse cara, de quem ninguém ouviu falar, e que aparece do nada com um romance pronto?"




Comecei a receber as primeiras críticas, na maioria positivas, desse pessoal que aprecia a literatura fantástica, e ser aprovado por seu público-alvo é a primeira grande alegria do escritor.




Passado um tempo, Quintessência começou a sofrer o mal de toda publicação independente: a falta de distribuição. Se você não está na mídia, não vende, e não ter uma distribuidora cuidando disso é um baita problema. Uma matéria publicada na revista Carta Capital pelo crítico e escritor Antonio Luiz M. C. Costa, figura hoje bem atuante no fandom, sobre os novos autores de ficção científica nacional, e que tecia elogios ao meu livro, alavancou uma nova onda de vendas, inclusive para um político paulista, que adquiriu o livro por e-mail, por intermédio de sua secretária.




Enquanto isso, um daqueles novos amigos virtuais me informa que deverá passar uns dias a trabalho em BH, e me convida para um chope. Foi uma noite agradável com o amigo Ivo Heinz, que me atualizou sobre "o lado negro da Força", e me ajudou a causar na minha esposa Luciana uma impressão indelével sobre essa coisa aterrorizante para leigos que se chama "papo de nerd". Entre outras coisas, Ivo me sugeriu que me associasse também à lista de discussões virtuais da Intempol, que é um universo ficcional criado por Octavio Aragão e trata de uma polícia cujos agentes viajam no tempo zelando pela integridade da História, só que é uma polícia bem... brasileira, se você me entende. Aderi à lista, e expandi ainda mais meus contatos com o fandom.




Um belo dia, fui convidado por Denise Reis para participar de um programa de TV para internet sobre ficção científica, que ela produzia no Rio de Janeiro. Aceitei imediatamente, e gravamos o programa. Os convidados do dia éramos eu, o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão e um especialista brasileiro em história alternativa, Gérson Lodi-Ribeiro, vejam só, aquele mesmo que me socorreu por e-mail tempos atrás, e que tive o prazer de finalmente conhecer em pessoa. Aproveitei essa mesma viagem ao Rio para conhecer outros personagens do fandom que já conhecia pela net, como Ana Cristina Rodrigues, Eduardo Torres (atual presidente do CLFC) e Max Mallmann.




É preciso que entendam que esses contatos pessoais eram fundamentais para mim, por uma simples razão: estar produzindo e lendo FC em Belo Horizonte causa uma solidão absurda na pobre alma humana. Todos os eventos e acontecimentos relevantes da literatura fantástica nacional aconteciam, naquele tempo, em 99% das vezes no Rio ou em São Paulo. Estar com essas pessoas era estar junto a uma lareira acesa em uma noite gelada. Num mundo onde esse tipo de literatura ainda é visto com muito preconceito (e preconceito, regra geral, surge do desconhecimento), o contato direto com seus pares é uma fonte valiosa de estímulos, inclusive para escrever.




Essa experiência me animou a participar também do Fantasticon, organizado por Silvio Alexandre, ainda hoje o principal evento nacional relacionado a literatura fantástica, e que acontece anualmente em São Paulo. O primeiro de que participei dividia seu espaço físico com um evento grande de RPG, repleto de cosplays, e era engraçadíssimo sair de uma mesa redonda onde houvera uma densa discussão sobre literatura e cair em no meio de uma luta de espadas entre elfos e bárbaros celtas, ou ser rendido para uma revista por uma patrulha de Stormtroopers de Star Wars. Participei de todos desde então. O evento logo se transferiu para a biblioteca Viriato Correa (SP), onde ocorrerá de 12 a 14/8 deste ano.




Enquanto tudo isso acontecia, sem que qualquer escritor delirante de ficção futurista fosse capaz de prever, o mercado nacional de literatura fantástica começava a melhorar, e novas editoras começaram a surgir dispostas a investir nesse filão, editoras com presença constante nos eventos de literatura fantástica. Mas isso é tema para um próximo episódio.




domingo, 1 de maio de 2011

O Discreto Charme da Monarquia




Domingo de manhã, céu azul, e nós em plena Praça JK, Avenida Bandeirantes, discutindo intrigados o sentido da fascinação que tomou o mundo nesses dias, em torno do casamento do herdeiro de Diana.

Ouvi a análise de uma historiadora, segundo quem a monarquia, sobretudo a multicentenária Monarquia Britânica, significa para o mundo uma imagem de força e estabilidade, em um mundo onde guerras, conchavos e menobras políticas tornam a política efêmera, bem a tom com um mundo onde quase tudo que é considerado normal já é bastante efêmero. Concordo em uma pequena parte. Força sim, porque não há dúvida de que esse povo foi o protagonista de um dos maiores impérios da História humana, que dominou mais de um terço do mundo, dando origem ao logo ufanista "Império Britânico, onde o sol jamais se põe". Você saberia nomear todas as monarquias que restam no mundo? Lembra-se da espanhola? Do Japão? Seja sincero, fala-se em "monarquia" e você logo se lembra da Inglaterra. Mesmo que, como eu, receba de vez em quando mensagens por e-mail de monarquistas brasileiros, desesperadamente tentando manter uma brasinha acesa debaixo das cinzas, e que você lê e fica se perguntando o quanto aquilo é sério, e o quanto é gozação. Então sim, a força da Monarquia Britânica é digna de respeito.

Discordo da estabilidade, entretanto. A rainha Victoria, no século XIX, cometeu um ato de rebeldia depois dos dezoito anos (sim, dezoito!) de vida, e pela primeira vez subiu as escadarias do palácio sem estar de mãos dadas com um adulto. Foi um choque. Em nosso jovem século XXI, já é a segunda princesa consecutiva que deixa de jurar obediência ao novo marido. Mas calma, tradicionalistas, nem tudo está perdido! Lady Kate, que já começa a mostrar as cutículas no momento em que prende seu cabelo apenas parcialmente para a cerimônia, ainda está proibida de carregar bolsas; de usar a bela cabeleira esvoaçante; de comer frutos do mar. Sim, para o resto da vida real. Cá entre nós... alguém acredita nisso? Mesmo? Que o jovem casal real, que mesmo antes do casamento já dividia o mesmo teto, vai deixar de curtir um sushi em uma dessas viagens picantes, assim que os paparazzi derem sossego, em prejuízo de alguma outra pobre celebridade? Essa, mes amis, não é nem para inglês ver.

Tradições são assim, que nem revestimento de prédio velho. Ou você renova de quando em quando, ou vai descascar e desbotar tudo. Vira ruína. Essas tradições que dão o charme especial da Monarquia Britânica vão aos poucos se desgastando pelas beiradas, e mais cedo ou mais tarde o que já acontece indoors acaba virando público, porque são coisas em quem ninguém pensa mais, no porquê ou no para quê. Tradições mortas mumificam, ainda que por força da imposição ainda passem um tempo posando de vivas. A Monarquia Britânica, nesse sentido, é uma espécie de "Vaticano com glamour"... ou o Vaticano é uma espécie de "Monarquia do Espírito", como preferir. Tradições mortas carecem de estabilidade porque, na Natureza, o que não evolui mais cedo ou mais tarde perece, inevitavelmente.

Com isso não quero dizer que a Monarquia Britânica morreu. Você viu que não morreu, e não morre tão cedo, pergunte à Dona Elizabeth. O charme dessa instituição, e suas tradições (mesmo que de faz-de-conta) são parte do que o britânico é. Como o chá das cinco e Sherlock Holmes. Tudo isso junto passa ao mundo a imagem de que o inglês é aquele cara formal, sério, fleugmático. Fui a Londres e levei um susto danado. O inglês, acreditem, é um dos caras mais gente boa da Europa! Boa vida, gozador, apaixonado, apesar do clima. Onde eu fui na Europa, mesmo do lado oriental, as pessoas com quem eu me dava melhor eram os ingleses. Nos quadrinhos, na TV, na música, os ingleses historicamente (e até hoje) estão sempre marcando pontos na turma da vanguarda.

Por isso, tenham certeza: a Monarquia deles é assim porque eles gostam! Porque eles são felizes tendo aquele teatro cheio de pompa e riqueza associado a sua imagem internacional. É mais fácil você tirar do inglês uma ilha inóspita e gelada abarrotada de pinguins no Atlântico Sul do que a coroa da Rainha, e olhe que isso também é tarefa ingrata, pergunte aos hermanos! Mesmo que (eu reparei...) todos cantem "God Save the Queen" na Basílica, e a Rainha permaneça caladinha. Deve ser constrangedor, convenhamos, cantar "God Save Myself".

Quer saber como é? Tente arrancar do brasileiro sua associação com o samba e com o futebol. É mais ou menos a mesma coisa.