Dia 30
de abril de 1945. Após um flash luminoso, o esquerdista brasileiro se
materializa dentro do bunker, ao lado
de Adolf Hitler. O Führer quase morre
de susto.
- Quiporreéssa?...
- Tranquilo, Adolf. Sou um viajante do
tempo. Vim do futuro assistir pessoalmente a derrocada do maior líder da
extrema-direita que o mundo já viu.
Hitler olha em volta, assustado.
- Extrema-direita? Onde? Cadê o
maldito?...
- Não vem com essa, meu caro. É você,
lógico.
Hitler arqueia as sobrancelhas e apoia o
polegar direito no próprio peito. Depois vira o rosto meio de lado, estreitando
os olhos, mas sem desviá-los do recém-chegado.
- Hmmmmm, me desculpe, meu rapaz. Lamento
se perdeu a viagem, mas deve haver algum engano. Eu sou socialista.
- RÁ! – é mais um grito que uma risada, e
Hitler dá um pulo para trás. – Nem vem com essa! Todos os historiadores sérios
do futuro são unânimes em dizer que você é de direita. O nazismo é de extrema-direita!
Até o Museu do Holocausto...
Hitler dá de ombros.
- Lamento dizer que você vai ter de voltar
lá e corrigir isso. Ou mandar um deles aqui para falar comigo pessoalmente.
Uma bomba explode em algum lugar acima, e
filetes de poeira caem do teto.
- Vai ser difícil você convencer alguém,
Adolf. E desconfio que você não vai ter muito tempo pra isso...
- Veja bem – Hitler caminha de um lado a outro
do bunker, adotando um tom
professoral – você sabia que a palavra “nazi” é uma abreviatura de "der Nationalsozialistische Deutsche
Arbeiters Partei" — Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores
Alemães? Nacionalistaaaaaaaaa... – ele repete a palavra com voz arrastada. O
viajante do tempo esquerdista tupiniquim faz cara de deboche.
- Isso não quer dizer NADA. Foi só um truque
barato que você usou para... enganar alguém.
- Enganar quem? O povo? Por que eu faria
isso se depois adotei uma estratégia econômica socialista? Ou será que eu
pretendia causar confusão só pra vocês, no futuro?...
- Não seja engraçadinho, chucrute.
Socialistas são os russos, e você odeia os russos.
Hitler estufa o peito e adota um tom de
discurso agressivo, como faz repetidamente no meme do filme:
- O socialismo é uma antiga instituição
ariana, germânica. Nossos ancestrais alemães mantinham certas terras em comum.
Eles cultivavam a ideia do bem comum. O marxismo não tem o direito de se
disfarçar de socialismo.
- Mas vocês deixaram a maioria de suas indústrias
em mãos privadas! Isso é puro capitalismo! Seu CAPITALISTA!
Um sorriso diabólico surge nos cantos dos
lábios hitlerianos. Ele se aproxima do esquerdista brazuca e segreda:
- Essa “propriedade privada” sempre foi
apenas nominal. O socialismo, ao contrário do marxismo, não repudia a
propriedade privada. O socialismo não envolve negação da personalidade e, ao
contrário do marxismo, é patriótico. Se você observar com atenção, era o
governo alemão e não o proprietário privado nominal quem decidia o que deveria
ser produzido, em qual quantidade, por quais métodos, e a quem seria
distribuído, bem como quais preços seriam cobrados e quais salários seriam
pagos, e quais dividendos ou outras rendas seria permitido ao proprietário
privado nominal receber.
- Anda não me convenceu – o viajante
balança a cabeça, como se tentasse se livrar de um pensamento ruim. – Acho que
é um extrema-direita infiltrado.
- Se fosse assim, deveria ter deixado que
o livre mercado tapasse o buraco de nossas contas. Você acha que infraestrutura
e rearmamento para entrar numa guerra custa barato? Sabe quantos subsídios
precisei distribuir? A única forma que tive para resolver isso foi a mais
socialista possível: o controle rigoroso de preços e salários, que decretei em 1936.
Foi a forma de tentar segurar a inflação e a escassez de insumos básicos...
O outro o interrompe com um gesto de
desdém.
- Deixa disso, companheiro. Não sou
economista para entender dessas coisas...
- Sei. Mas mesmo assim está convencido de
que eu sou um capitalista de extrema-direita...
- Sei que a elite econômica enriqueceu
debaixo de suas asas...
- Quem se adequava às ordens do governo. Senão...
Hitler passa o dedo indicador diante do
pescoço rapidamente, da esquerda para a direita. Como se de repente se
lembrasse de algo, arregalou os olhos e disse:
- Aposto que, como socialista, você me
diria que o bom socialismo exige o cumprimento das justas reivindicações das
classes produtivas pelo Estado...
- Isso! Justiça social!
- Pois sempre foi minha bandeira, meu querido.
Justiça social com base na raça e na solidariedade. Nós escolhemos nos chamar
de Nacional Socialistas. Nós não somos internacionalistas. Nosso socialismo é
nacional. Para nós, Estado e raça são uma coisa só!
O viajante cobre os ouvidos com as duas
mãos, como se sentisse dor.
- Para com isso! É golpe! NÃO PASSARÃO!
- Socialismo é a ciência de lidar com o
bem comum. Comunismo não é socialismo. Marxismo não é socialismo. Os marxistas
roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu tirarei o socialismo dos
socialistas.
- Não vai fazer nada disso! Você é capitalista!
COXINHA!
- Reveja seus conceitos, amigo, você está
enganado...
- EXTREMA-DIREITA!
O viajante apanha uma pistola Luger sobre a mesa e dispara um tiro certeiro
na cabeça de Adolf Hitler. O barulho atrai Eva Braun, que adentra a sala assustada.
Ela ainda pode ver o viajante com o braço em riste, o cano da pistola
fumegante, e o Führer no chão com um
buraco na cabeça.
- Você o matou!
O esquerdista examina a cena por um
momento, franze a testa e estica um beiço.
- Não matei nada. Foi suicídio.
- Mas... mas...
- FOI SUICÍDIO!