sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Razão e Sensibilidade no Planeta dos Macacos

Eu no Planeta dos Macacos

ATENÇÃO: SPOILERS!!!!!

Foi o Chacrinha quem entrou para a História com a frase: "Na televisão nada se cria, tudo se copia". A frase (genial) traduz uma realidade que persiste nos dias de hoje, sem esperança de cura. Basta observar como o enredo das novelas brasileiras "chupa" os plots de filmes e seriados estadunidenses. "A Viagem" e "O Ilusionista", "Kubanakan" e "John Doe", são exemplos clássicos. Mais recentemente, a cena da morte de Salomão Hayalla na atual novela "O Astro" e seu paralelo com a cena da morte do Comediante no filme "Watchmen" causou comoção na internet, e creio que ainda pode ser vista nos youtubes da vida.

Mas essa "cultura da imitação" acabou transcendendo a telinha e invadindo a tela grande. No cinema, como se não bastasse a aberração de Bollywood, o cinema tipo Z indiano que copia discaradamente os blockbusters dos EUA, Hollywood começou a copiar a si mesma. Uma onda de remakes, muitos deles demonstrando uma flagrante intenção de faturar ($$$) apostando num cavalo já conhecido como campeão ( o famoso "aposta na barbada"), outros absolutamente desnecessários, dado o pouco tempo passado desde o filme original ou o enredo que nada de novo traz, nem sequer em termos de homenagem à obra-mãe.

Mas existem, felizmente, nesse inferno do apagão criativo que se tornaram o cinema e a TV, as famosas exceções que confirmam a regra. Uma delas, na minha opinião, está sendo a ressurreição da franquia "O Planeta dos Macacos".

O francês Pierre Boulle, autor do livro Le Pont de la Rivière Kwaï(1952), que em 1957 foi transformado por David Lean num filme superpremiado, escreveu em 1963 sua obra La Planète des Singes, que em 1968, a exemplo do irmão mais velho, também se transformaria em filme de sucesso pelas mãos de Franklin J. Schaffner. "O Planeta dos Macacos", estrelado por Charlton Heston e por Roddy McDowall, que sempre me impressionou pela transparência com que conseguia transmitir suas típicas expressões faciais acima da pesada maquiagem de Cornelius (no cinema) e Galen (na TV), transformou-se rapidamente em cult. A alegoria da sociedade símia estratificada em classes de orangotangos (administradores), chimpanzés (cientistas) e gorilas (militares), mostrando os esforços extremados de uma cultura que tenta, desesperadamente e por todos os meios, ocultar uma verdade que pode fazer ruir toda a sua estrutura de poder e domínio, aliás bem familiar ao nosso mundinho humano, acabou gerando quatro outros longas para o cinema e uma série de TV.

A "cultura da imitação" trouxe "O Planeta dos Macacos" de volta em 2001, numa releitura de Tim Burton que certamente não causou o mesmo impacto da primeira obra, mas em alguns aspectos é mais fiel ao livro de Boulle do que o filme de 1968. E agora, em 2011, somos brindados com "O Planeta dos Macacos - A Origem", dirigido por Rupert Wyatt. E a despeito de minha condição de fã incondicional da série (tenho todos os DVDs), dois comentários fizeram crescer exponencialmente minha vontade de ver esse filme. Primeiro: "Não é uma boa ficção científica; é cinema de alta qualidade!" Segundo (este vindo de várias pessoas diferentes): "Amanhã vou ver de novo!"

A releitura do Planeta dos Macacos me parece, em vários sentidos, bem mais racional e comedida do que a delirante versão dos anos 60/70s. Na primeira versão, a explicação para a ascenção da cultura símia é a volta no tempo do casal de macacos inteligentes do futuro, Zira e Cornelius, que em nosso mundo acabam tendo um filho, César, que quando adulto irá liderar a revolução dos macacos. Estes, após uma misteriosa praga que extingue todos os cães e gatos do mundo (!), se transformam em uma combinação de animais de estimação/empregados domésticos (!!). O ponto mais constrangedor que nós, fãs, costumamos ignorar em nome do amor à obra, é que não se explica como a inteligência de César, o macaco-herdeiro de um outro mundo, acaba "contaminando" os macacos do nosso tempo, dando origem a toda uma civilização. Nesse ponto o novo filme dá um show. Nada de viagens no tempo. Indústria farmacêutica!!!! Uma nova droga pesquisada por um grande laboratório, em busca da cura do Mal de Alzheimer, acaba trazendo como efeito colateral um extraordinário upgrade na inteligência de uma das macacas-cobaia, e essas habilidades inadvertidamente acabam se transmitindo ao seu filhote, que se chamará... César!

No filme, James Franco cumpre bem o serviço, como de hábito. Freida Pinto encanta por sua beleza. Tom "Draco Malfoy" Felton, após o longo estágio na saga de Harry Potter, atinge o grau de Doutorado em Personagens Antipáticos. E John Lithgow me deprime. O sujeito é tão espetacular que sinto raiva, ao pensar que já caminhei ao lado dele numa rua de Nova Iorque e nem tive a coragem de pará-lo e dizer: "Amigo, você É O CARA!" Os efeitos especiais são tão perfeitos que você até esquece que, em muitos momentos, os atores reais estão na verdade contracenando com alguma tela azul. A batalha na ponte Golden Gate, coberta por um daqueles "fogs" que caem como uma enxurrada branca para matar de raiva os fotógrafos-turistas, está destinada a assumir o status de clássica. O virus que se dissemina, prometendo causar uma epidemia que acabará dizimando a maior parte dos seres humanos, serve como pano de fundo ideal apara a promessa da "virada" (Nota: fique no cinema uns cinco minutos após terminado o filme, para ver essa cena extra!).

Mas o mais espetacular para mim, falando em termos de cinema, é a densidade psicológica de César, o macaco. Para sua desgraça, nascido inteligente como humano numa carcaça símia. A alegria e a curiosidade incontrolável típicas da infãncia humana se reproduzem nele, conquistando no ato sua família humana adotiva e toda a audiência na plateia do cinema. A cena onde César é levado para um passeio na floresta de sequóias, seu encantamento e veneração ao ter seu primeiro contato com a Natureza, é absolutamente comovente. Algo superior, transcendente, toca o pequeno César naquele momento, e ele nos carrega consigo em sua euforia incontida, quando salta de galho em galho pela floresta, em júbilo absoluto.

A perda da pureza infantil do protagonista, sua "expulsão do paraíso", ocorre no momento em que, num arroubo de emoção, foge da casa para defender seu "avô humano", John Lithgow dando mais um show numa assombrosa crise de Alzheimer. Como uma criança que não conhece a força contida em seu corpo selvagem, César acaba gerando terror na comunidade humana que o cerca, e é levado para uma espécie de depósito público para grandes primatas, algo talvez só concebível num país como os EUA. Ali, da forma mais dolorosa, ficam claras duas coisas para o pequeno: primeiro, ele não é humano. Segundo, humanos são cruéis com os animais. O espectador assiste e continua consentindo, enquanto o coração de César se parte. A inocência e a pureza se perdem para sempre, substituídas por um compreensível rancor e uma mágoa profunda. Sai a sensibilidade, e por uma questão de sobrevivência assume as rédeas a razão do macaco, que, vamos recordar, é tão inteligente quanto um ser humano. É o começo de uma revolução épica, planejada em cada detalhe, cuja coerência dignifica o filme até seu final.

Na medida em que César cresce e desenvolve seu intelecto, você observa como paulatinamente vai deixando a postura encurvada dos primatas e começa a andar de coluna ereta, sobre os dois pés apenas. Na fase em que se encontra confinado no tal depósito, veem-se algumas das melhores homenagens à série original do cinema. Em dado momento, um dos funcionários assiste pela TV o filme "Agonia e Êxtase", um dos melhores momentos da carreira de Charlton Heston, o Taylor do filme de 1968; pela primeira vez são vistos juntos os gorilas, chimpanzés e orangotangos, e começam a se desenhar os papéis que cada espécie desempenhará na organização social futura; e o mais espetacular, na cena em que César entra em combate físico com Draco Malfoy Felton, este pronuncia a frase: "Tire suas mãos de mim, seu macaco imundo". A resposta é um sonoro "Não!", a primeira palavra pronunciada por um macaco. Se você se lembra, no filme de 1968 a frase dita pelo humano é exatamente a mesma dita pelo astronauta Taylor, revelando sua inteligência aos macacos. E agora, no filme de 2011, a frase leva o macaco a revelar sua inteligência, por primeira vez, à humanidade. Ou seja, a cena é um espelho exato daquela outra, no filme original. Nos filmes dos anos 70s, a palavra "não!" é reconhecida como o símbolo da revolta símia, sendo citada como a primeira palavra dita por um macaco a um humano, e assim a nova saga reverencia uma vez mais a anterior.

Como boa FC, é o caso de perguntarmos agora, num breve exercício de extrapolação especulativa: seria possível que um dia, como no filme, o macaco suplantasse o humano como raça dominante do planeta Terra? Talvez você, num infeliz surto de desconhecimento científico ou apenas querendo polemizar, afirme: "Claro, afinal o homem não descende do macaco?"

E no entanto, passaram-se séculos e séculos, e humanos continuam humanos, e macacos continuam macacos. Não há evidências de que um se converta no outro, permanecendo as duas espécies confinadas em invólucros e realidades distintas. Enquanto evoluimos das florestas e cavernas (vivendo como viviam - e vivem - os macacos) para os edifícios e condomínios contemporâneos, os macacos continuam vivendo como macacos. É como se algo a eles faltasse, a despeito das semelhanças físicas, e fizesse dos símios uma espécie tão diferente dos humanos como os humanos são diferentes das samambaias. É evidente que essa diferença capital extrapola o físico. Talvez você a chame de "alma". Talvez de "espírito". Para ser sincero, já ouvi dizer que essa parte abstrata está alojada na glândula pineal. Ou pode ser algo totalmente diferente disso, e a realidade que nos intriga é apenas circunstancial. Vai saber.

O que me preocupa é que, no livro de Pierre Boulle, lá pelas tantas descobre-se o real motivo da substituição dos humanos pelos macacos. Enquanto os macacos, pela própria natureza, são exímios imitadores, a humanidade, com o tempo, deixou de criar e também começou a imitar. O ser humano deixou de pensar e começou a imitar. E, entre semelhantes, venceu aquele mais habilitado para a função. No caso, o macaco.

Temos Bollywood. E temos Hollywood. E temos as novelas da Globo imitando os filmes estadunidenses. E tenho uma suspeita pessoal de que a cúpula da BHTrans, órgão da prefeitura reponsável pela administração do trânsito de Belo Horizonte, é composta por um bando de chimpanzés treinados. Não sei, é só uma suspeita. Mas vai saber...