E aí, reconheceu o cara? É,
esse de camiseta branca, agachado, no canto direito da foto! Eu te digo quem
ele é. Ou era...
Ele trabalhava numa montadora de
automóveis. Foi pego de surpresa na onda gigantesca, o tsunami de demissões que
varreu o país na medida em que a crise (lembra da “marolinha”?...) explodiu.
Poupança ele quase não tinha, e as migalhas que restavam a inflação comeu. Acabou
o dinheiro, e não teve como pagar as prestações da casinha própria que ele
comprava com tanto esforço e sacrifício. O carro e a geladeira, adquiridos em
prestações a perder de vista, também lhe foram tomados, junto com sua
dignidade.
Sua esposa era diabética. Um dia, não
encontrou a insulina de que precisava no posto de saúde. “Estava em falta”, lhe
disseram, e o privilégio não era dela não, era no país todo. Como ele,
demitido, perdeu o plano de saúde, no dia em que ela passou mal teve de recorrer
a um posto do SUS. Foi atendida por um cubano, que lhe disseram que era médico,
e que lhe prescreveu uma dose absurda de insulina, que ela comprou na farmácia
com seus últimos trocados. A esposa morreu.
Os dois filhos, com os cortes e atrasos no
dinheiro do crédito educativo, tiveram de largar a escola. Não que perdessem
grande coisa, já que o governo dessa Pátria Educadora cortou bilhões do
orçamento para a educação, piorando a situação das escolas já sucateadas,
ocupadas por professores mal preparados e pior remunerados. Os meninos estão em algum
lugar por aí nas ruas, como ele, nas ruas deste país que – lhe disseram certa
vez – “erradicou a miséria”.
Nesta foto, ele está agradecendo às pessoas
de amarelo. Ele sabe que elas saíram de suas casas aos milhares, sem ganhar por
isso nem um churrasquinho, nem mesmo um pão com mortadela, para protestar por
um país melhor, mais digno, para todos, inclusive para ele. Ele dá valor a esse
ato, porque sabe que nem todo mundo é capaz disso. Tem aquelas pessoas que um
dia votaram no partido que era “pelos pobres” e que hoje ocupa o governo
federal. Ele sabe que aquelas pessoas se recusam a participar desse “golpe” das
manifestações, como dizem, mas que não dispensam seu choppinho na balada dos
finais de semana, enquanto ele está ali, sem ter o que comer. Por dentro,
entretanto – ele pensa – sofrem de uma miséria moral tão grande quanto a que ele
ostenta do lado de fora. Ou será maior? Que tragédia! Ele tem pena dessa gente,
o cara de branco...