RESENHA – O MAPA DO
TEMPO [Félix J. Palma]
FC
ou não FC, eis a questão...
“O que é ficção científica?” continua
sendo uma das perguntas cuja resposta correta vale um milhão de dólares. Para
qualquer definição dada, não demorará para que algum nerd devoto apareça,
tirando da manga pelo menos um ou dois exemplos que, de alguma forma, fugirão
da definição proposta, e ainda assim terão características que os dignifiquem
para se candidatarem ao gênero. Talvez uma das definições mais completas, entretanto,
que prima por sua simplicidade, foi-me oferecida pelo espanhol Félix J. Palma
em seu romance “O Mapa do Tempo” (editora Intrínseca, 2010), ganhador do XL Prémio Ateneo de Sevilla em 2008.
Palma define como “romance científico”, para usar uma terminologia mais
adequada ao século XIX onde se desenrola sua história, "qualquer história
fantástica que tentasse se justificar por meio da ciência”. Salta aos olhos uma
nova pergunta: “O Mapa do Tempo” é ficção científica?...
O romance nos é apresentado na forma de um
fix-up em três partes. Na primeira, o
torturado jovem londrino Andrew Harrington procura uma forma de voltar no tempo
para salvar a vida de Marie Kelly, a mulher por quem era perdidamente
apaixonado e que foi a quinta vítima do serial
killer conhecido como “Jack, o Estripador”. Curiosamente, essa mesma moça
foi personagem de uma das noveletas mais queridas de minha própria lavra, “Os
Primeiros Aztecas na Lua” (coletânea Vaporpunk, editora Draco, 2010). Para esse
fim, Harrington recorre a uma improvável empresa chamada “Viagens Temporais
Murray”. Seu proprietário, Gilliam Murray, realiza expedições turísticas
regulares a um dia específico no ano 2000, para que seus clientes testemunhem a
derradeira batalha da guerra apocalíptica entre humanos e autômatos, vencida
pelo Capitão Derek Shackleton, herói humano que confronta Salomão, líder dos
robôs assassinos, num duelo de espadas. Paralelamente, entra discretamente em
cena ninguém menos que o escritor H.G.Wells, que acabara de lançar seu romance “A
Máquina do Tempo”, e que, de maneira insidiosa, acaba tornando-se o personagem
central em torno de quem se desenrola toda a narrativa do livro em suas três partes.
Na segunda etapa do livro mergulharemos
nos bastidores da “Viagens Temporais Murray”, e acompanharemos a terna história
de amor entre Claire Haggerty, uma jovem decididamente muito avançada para seu
tempo, e ninguém menos que o Capitão Derek Shackleton, sim!, o herói da
humanidade do ano 2000! A sequência onde o rapaz se esforça para seduzir a
mocinha usando uma salada de paradoxos temporais, e a insana troca de cartas “retrofuturistas”
que se segue são, para mim, o ponto máximo do livro.
Na terceira parte de “O Mapa do Tempo”,
quando o título da obra finalmente se explica, uma série de assassinatos
misteriosos coloca o inspetor Colin Garrett, da Scotland Yard, na pista de um
suposto assassino viajante do tempo, que aparentemente tem a intenção de eliminar
três célebres escritores vitorianos e apoderar-se de suas obras mestras antes
de sua publicação. São eles ninguém menos que o próprio H.G.Wells (“O Homem
Invisível”), Bram Stoker (“Drácula”) e Henry James(“A Volta do Parafuso”),
todos personagens retratados com uma humanidade ao mesmo tempo divertida e
comovente. Outro personagem real desse período histórico tão suculento para os
escritores de literatura especulativa, a Era Vitoriana, que é apresentado no
livro de forma marcante, é Joseph Merrick, o Homem Elefante, que será uma
influência fundamental para os rumos tomados pela carreira de Wells.
Em dado momento, sobre a obra mestra de
Henry James, o autor escreve: “Ao ver James sorrindo de modo dissimulado, Wells
se perguntou como seria aquela história de fantasmas que no fundo não devia ser
de fantasmas, ou talvez fosse, mas provavelmente não, já que levava a pensar
que era.”
Acontece que “O Mapa do Tempo” é
exatamente isso: uma história de viagem no tempo que no fundo não deve ser de
viagem no tempo, ou talvez seja, mas provavelmente não, já que leva a pensar
que é. Ao longo de suas 470 páginas o leitor passará por etapas sucessivas e
contraditórias: isso é ficção científica; não, não é ficção científica; mas
será?... Em linguagem leve e folhetinesca, como se fosse uma obra escrita no
período que retrata, o autor nos apresenta um retrato ao mesmo tempo encantador
e fascinante da Londres vitoriana e seus personagens. Mais ainda, ele nos faz
um relato esclarecedor do que se esconde no fundo da alma de um escritor; de ficção
científica, no caso. Por tais motivos esse é um livro que certamente agradará a
todos: fãs de FC e leitores do mainstream.
Talvez ele lhes mostre que não são, afinal, dois grupos tão conflitantes como
às vezes pretendem parecer.
Se é uma história de FC, eu obviamente não
vou revelar. Deixo essa surpresa para o leitor, que há de se encantar, como eu
me encantei, com a forma como Palma, ao final da trama, une todas as pontas
soltas de maneira perfeita. Mas uma coisa é mais que eloquente: “O Mapa do
Tempo” é uma linda homenagem a nós, escritores, a nossos anseios e medos, a
nossa solidão e ao nosso júbilo, e é um tributo da melhor qualidade ao nosso “subgênero”
preferido, a ficção científica.
Gostei! Algum tempo atrás pensei em comprá-lo, mas deixei de lado, a sinopse não me fisgou e não tinha lido nenhum texto assim, sobre ele, que me despertasse para uma vontade maior em lê-lo! Vai para a minha lista de compras agora! Obrigada!
ResponderExcluirExcelente resenha para um romance... lindo.
ResponderExcluirÓtima resenha. Agora esse vai entrar para a lista de desejos, haha.
ResponderExcluirAbraços!