quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

FESTA ESTRANHA COM GENTE ESQUISITA...


     Pessoas com quem converso provavelmente já me ouviram dizer algo que, sob minha ótica, se torna cada vez mais uma verdade incontestável: ainda que se possa questionar a qualidade da cultura estadunidense, se colocada em perspectiva contra diversas culturas europeias e mesmo latino-americanas, em um aspecto eles são mestres absolutos: o entretenimento.
     Entre os dias 9 e 16 de janeiro último, tive a rara oportunidade de participar de um evento memorável: o primeiro (e talvez único) cruzeiro marítimo Disney Star Wars, que abrangeu a programação habitual do cruzeiro Disney (navio Disney Fantasy), acrescida de um “Day at Sea” especial, dedicado inteiramente a Star Wars.
     Como de costume, a potência Disney fagocitou uma franquia rentável, mas que parecia fadada à estagnação e à condição de “caça-níqueis” a longo prazo, e reinventou-a dentro do “padrão Disney”. Antes foram a Pixar, a Marvel, e agora é Star Wars. O “Day at Sea” fez parte dessa campanha multimilionária de revitalização, quase simultâneo com o lançamento do novo filme da franquia nos cinemas. E eu disse “rara” oportunidade porque, de acordo com uma fala do Diretor de Eventos do navio, na abertura de um dos shows a bordo, esta foi apenas a oitava vez que um cruzeiro Disney teve uma viagem temática. Para se ter uma ideia, os cruzeiros acontecem em diversas viagens em quatro transatlânticos, durante todo o ano, desde a primeira viagem do Disney Magic em 30 de julho de 1988.
     O cruzeiro tinha o seguinte roteiro: Port Canaveral (dia 1), alto mar (dia 2), Cozumel (dia 3), Grand Cayman (dia 4), Star Wars Day at Sea (dia 5), alto mar (dia 6), Castaway Cay (dia 7), Port Canaveral (dia 8). Estaria demais, embora fosse merecido, discorrer aqui sobre por que participar de um cruzeiro Disney é uma experiência que todo mundo deveria tentar viver, seja casado, solteiro, com filhos pequenos ou grandes, jovem ou idoso. Essa viagem, em particular, teve esse temperinho especial, e é sobre ele que quero falar aqui: Star Wars!
     O embarque em Port Canaveral já deixava perceber que seria uma viagem diferente. Por todos os lados eu via pessoas, MUITAS pessoas, desde crianças pequenas até idosos, vestindo camisetas, mochilas e outros adereços fazendo referência à série criada por George Lucas. À minha frente, uma senhora subia as escadas rolantes completamente vestida de R2D2. Vale destacar que o Disney Fantasy zarpou lotado, e tem capacidade para, além de seus 1500 tripulantes, abrigar 4000 passageiros. Pelos meus cálculos empíricos, frutos da observação ao longo de sete dias, cerca de 80% ou mais da lotação do navio era de fãs de Star Wars, incluindo os pequenos padawans em processo de assimilação. Não sei se isso fez dessa viagem a maior reunião de fãs da franquia de todos os tempos, mas com certeza foi a única com tais características: milhares de fãs entre 1 e 95 anos, felizes e explicitamente entregues, em tempo integral, ao seu objeto de adoração.
                                                                Duas vovós ewoks
     Outra característica relevante de um cruzeiro Disney é que você recebe a cada noite, em sua cabine, um exemplar do jornal “Personal Navigator”, contendo uma programação de tudo que acontecerá no navio no dia seguinte. Imaginem minha excitação na terça-feira à noite, véspera do Star Wars Day, recebendo o cronograma. Algo, de cara, me chamou a atenção: nos boletins anteriores constava sempre uma descrição detalhada da localização exata de cada personagem Disney dentro do navio, para que se tirassem as tradicionais fotos & autógrafos. Por exemplo: “Mickey Mouse estará no deck 4 (balcão), entre 9:00AM e 9:30AM”. No caso do Star Wars Day, isso foi substituído por uma extensa faixa, entre 8:30AM e 1:30PM, com os dizeres: “Procure alguns de seus personagens favoritos de Star Wars nos decks 3, 4 e 5.”
     A surpresa inicial foi seguida pela compreensão acerca da genialidade dos organizadores. Num cruzeiro Disney minimizam-se as filas o máximo possível, para evitar aglomerações e tumultos nos decks. Cada personagem fica disponível por 15 minutos para fotos, em diversas seções ao longo da semana, exceção feita para celebridades VIPs como Mickey ou as princesas, que se exibiam por meia hora de cada vez. Agora imagine os personagens de Star Wars, dando as caras durante UM ÚNICO DIA, num navio lotado por mais de 3000 fãs! Assim, não se marcaram seções. Você, como bom seguidor da Força, deveria perambular pelos corredores dos decks esperando aleatoriamente encontrar seus ídolos. O que, confesso, foi muito mais divertido!
     Às 8:30AM, a família toda adormecida, abri a porta da cabine acusticamente isolada e saí para o corredor do deck 7, onde fui acolhido amorosamente pelos acordes da maravilhosa e conhecidíssima trilha sonora composta por John Williams, que tocou nos autofalantes do navio durante o dia inteiro. Segui para o tradicional café da manhã no restaurante Cabanas, no deck 11. Enquanto comia, ouvi o primeiro comunicado do comandante. A cada dia alguém da tripulação usava o sistema de som para anunciar atividades, condições do clima, etc. Nesse dia, o que ouvi foi algo mais ou menos assim: “Aqui fala o comandante do cruzador estelar imperial. Comunico que Lord Darth Vader já se encontra a bordo, e alguns felizardos terão a oportunidade de encontrá-lo pessoalmente”.
                                                           Com a "autoridade a bordo"
   Vale acrescentar que, diante das piscinas infantis, existe um gigantesco telão de cinema, que normalmente exibe desenhos Disney, como “A Dama e o Vagabundo”. No Star Wars Day o telão exibiu, o dia inteiro, episódios da série animada “Rebels”, vez por outra interrompidos pela imagem do tal “comandante de cruzador imperial”, devidamente trajado em sua ponte de comando, anunciando presenças ilustres ou alertando contra a possível presença de rebeldes a bordo. Nessas piscinas, duas vezes pela manhã e uma à tarde, ocorreram as “pool patrols”: grupos de stormtroopers surgiam no meio das pessoas procurando por eventuais rebeldes, em alguns momentos encenando “gags” que, imaginei, tinham sido boladas por eles mesmos. Apesar do sol forte, do calor e daquele bando de gente assediando em trajes de banho, o bom humor dos soldados do Império exalava claramente das armaduras mal-encaradas. Enquanto isso, do alto das torres do navio, os passageiros eram desafiados por Bobba Fett (numa sessão) e assistiam os apuros de R2D2 e C3PO (em outra). 
                                                                        Pool patrol
     Durante a semana, todos os seis filmes antigos da saga foram exibidos nos dois principais cinemas de bordo. No Star Wars Day, tivemos uma sessão de “O retorno de Jedi” e seis sessões do novo filme, “Star Wars – The Force Awakens”. Tive a oportunidade de rever o filme, novamente em 3D, numa dessas sessões. Foi emocionante viver isso num cinema lotado por fãs devotos. Sabres de luz, copos de bebida na forma de BB-8, Chewbacca ou Bobba Fett, baldes de pipoca em forma de Darth Vader ou tie-fighter, aplausos respeitosos no momento da aparição, na tela, de cada um dos personagens principais da primeira trilogia.
     Falando em emoção, uma outra atividade, que teve cinco sessões ao longo do dia no “Walt Disney Theatre”, principal cinema do navio, também me emocionou de verdade: uma amostra do  “Trials of the Temple”, atração de Star Wars que faz parte do novo pacote do parque dos estúdios Universal, em Orlando. Grupos de crianças entre 3 e 10 anos foram divididos ao longo das cinco sessões. Inicialmente, um mestre jedi (adulto) proferia uma breve palestra sobre a Força; no subtexto evidente, lições sobre tolerância e convivência pacífica, dicas sobre o uso dos recursos íntimos em prol do bem e daquilo que se sonha alcançar. Em seguida cada criança, em trajes de padawan e empunhando um sabre de luz verde, recebia lições práticas de uma sequência de quatro golpes numa luta de sabres de luz. Então eram convocados para, usando a Força, ajudarem a revelar um templo jedi oculto numa floresta, que surgia no palco diante dos nossos olhos. Só que desse templo emergia ninguém menos que Darth Vader em pessoa! No palco, um de cada vez, cada menino ou menina era chamado para um combate individual com o Lorde Sith, fazendo uso dos quatro golpes que já haviam treinado. Ao final, no momento mais crítico do conflito, o grupo era salvo pela voz “etérea” do Mestre Yoda, e conseguia banir o vilão definitivamente. Em uma palavra: mágico.
                                                                  Padawan em ação
     Outras atividades dignas de nota ao longo desse dia memorável: “Padawan Crafts”: trabalhos manuais e desenhos feitos por crianças com menos de 14 anos com a temática Star Wars; “Galaxy Designers”: lições sobre como construir naves de Star Wars, também para crianças; “Padawan Mind Challenge” e “Star Wars Superfan Contest”, dois desafios tipo “trivia” com dois níveis de dificuldade. O último foi empolgante: só gente que, pela idade, deve ter visto todos os filmes no cinema (não imagino quantas vezes), respondendo desde quem é o comandante da Rebelião na primeira trilogia até o número da cela da Princesa Leia na Estrela da Morte. Alguns caras reproduziam de cor inúmeras falas importantes do filme, vírgula a vírgula.
     Na parte da tarde, ocorreu no hall principal do deck 3 o “Guest Costume Celebration”. Foi a confraternização de todos os passageiros que aderiram ao cosplay, divididos em três blocos: a turma do Bem, o Lado Negro da Força e os aliens. Estavam lá, impecáveis, Darth Maul, alguns Kylo Rens, o Imperador Palpatine, um maravilhoso Obi-wan Kenobi e até Jabba, the Hutt.
                                            Aprendendo uns macetes da Força com o Mestre
     Ás 7:15PM (detalhe: num cruzeiro Disney NADA atrasa sequer dez minutos, nunca...) começou no deck 11 “Saga – Tales from a Galaxy far, far away”, quando dois narradores recontaram os três filmes da primeira trilogia com uma atuação simultânea dos personagens no palco, cujos “atores” foram escolhidos de improviso ali mesmo, na hora, no meio da audiência. Hilariante. Imediatamente em seguida começou a “Galactic Dance Party”, quando um DJ tocou exclusivamente versões remix dançantes, espetaculares, da trilha sonora de Star Wars, com exibição, no telão, de imagens computadorizadas inspiradas nos filmes.
     Esse dia espetacular terminou às 10:30PM com “Summon the Force”, um espetáculo magistral no deck 11, com a presença de todos os personagens “oficiais” a bordo, seguido de um belo show de fogos de artifício. Depois disso, mais uma sessão de “Galactic Dance Party” que foi até a meia-noite.
    Ah, meu encontro com personagens? Dei sorte em meu garimpo. Logo de início, andando rápido por um corredor deserto, quase trombei numa esquina com um guarda gamorreano, aqueles do palácio do Jabba. Meu grito de excitação fez uma tripulante rir: “parece que o senhor ganhou seu dia”. Mal sabia ela. Em seguida, também me encontrei com uma sensualíssima Zam Wesell. Dois oficiais da Estrela da Morte, uniformizados, passaram por mim confabulando em pose marcial e tom grave, mas não se furtaram a tirar fotos. Isso era legal: todos os atores estavam concentrados, imersos nos personagens, porém conservavam uma cordialidade e delicadeza impecáveis para com os fãs. Seguiram-se Darth Vader, Kylo Ren (que exibiu uma paciência e amabilidade incompatíveis com o Lado Negro), stormtroopers, soldados imperiais, jawas, dois engraçadíssimos exemplares do Povo da Areia de Tatooine, Bobba Fett... Pelo que vi no show final, apenas me escaparam os droides e Mara Jade, mas também encontrei cosplays espetaculares, como Obi-wan, Darth Maul, Palpatine, Chewbacca, além de jedis e siths de todas as idades.
                                                                   Com "O Cara"
     Nem é preciso dizer que, durante toda a semana, as três megalojas do navio venderam todo tipo de merchandise, de bolsas térmicas temáticas a fantasias completas, passando por sabres de luz e bonecos. Foi lançada uma série de cinco pins exclusivos, e você podia confeccionar um crachá contendo sua designação (jedi, imperial, rebelde, ou nativo de diversos planetas) e seu nome escrito em Aurebesh. O artista que bolou toda a arte do merchandise do “Day at Sea”, John Henselmeyer, fez uma exposição de arte.
                                                         Crachá do jedi "Flávio Solo"
     Resta mencionar aqui uma palestra instrutiva com Wendy Anderson, “Imagineering Executive Creative Director” de Star Wars nos parques Disney. Tudo bem que ela “escondeu o ouro”, resistindo a falar muito sobre o Star Wars World, maior “extensão” dos parques temáticos da Disney, a ser construído tanto em Orlando quanto na Costa Oeste, mas pude conversar brevemente com ela após a palestra e perguntei se não havia planos para a América Latina. Ela me disse que infelizmente não, mas sabia que no Brasil havia uma enorme quantidade de fãs de Star Wars, e prometeu “dar uma força” em nosso nome junto aos executivos. Saí com a sensação de que tudo é possível para a Disney, se houver vislumbre de lucro na jogada, mas que, diante do papel que nosso país anda prestando junto à comunidade econômica mundial, penso que nossas chances melhorarão no dia em que, digamos, os rebeldes conseguirem derrotar o Império.
                                                                Wendy Anderson
     Em resumo, foi a viagem perfeita para todo e qualquer turista, seja ou não fã da Disney e de Star Wars. Juntando tudo isso, como no meu caso, foi inesquecível. Não sabemos se haverá novas oportunidades. Wendy Anderson disse que a possibilidade de novos “Star Wars Day at Sea” está “em negociações”. De qualquer forma, tenho certeza de que a primeira experiência deve ter impressionado muito bem o pessoal da Disney. E, como sabemos, “money talks”. Assim sendo, vamos torcer. Que a Força esteja conosco.


4 comentários:

  1. Deve ter sido uma experiência realmente muito interessante. Morri de inveja aqui (da boa). Ótimo texto!! Depois se puder postar mais fotos. Muito legal!

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  2. Adorei!!!!! Deve ter sido mesmo mágico e emocionante! Só senti falta de mais fotos. Por favor, post com um álbum completo.
    Que a Força esteja com você. Beijos

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  3. Sensacional Flávio! Acabei de mostrar para meu filho de 13 anos que é fã como eu e o irmão mais novo dele! Ele disse que agora tem um objetivo de vida: viajar em um cruzeiro star Wars

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  4. Tomara que haja outros, Daniel! Também não descarto um "retorno do jedi"... ;-)

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