domingo, 1 de maio de 2011

O Discreto Charme da Monarquia




Domingo de manhã, céu azul, e nós em plena Praça JK, Avenida Bandeirantes, discutindo intrigados o sentido da fascinação que tomou o mundo nesses dias, em torno do casamento do herdeiro de Diana.

Ouvi a análise de uma historiadora, segundo quem a monarquia, sobretudo a multicentenária Monarquia Britânica, significa para o mundo uma imagem de força e estabilidade, em um mundo onde guerras, conchavos e menobras políticas tornam a política efêmera, bem a tom com um mundo onde quase tudo que é considerado normal já é bastante efêmero. Concordo em uma pequena parte. Força sim, porque não há dúvida de que esse povo foi o protagonista de um dos maiores impérios da História humana, que dominou mais de um terço do mundo, dando origem ao logo ufanista "Império Britânico, onde o sol jamais se põe". Você saberia nomear todas as monarquias que restam no mundo? Lembra-se da espanhola? Do Japão? Seja sincero, fala-se em "monarquia" e você logo se lembra da Inglaterra. Mesmo que, como eu, receba de vez em quando mensagens por e-mail de monarquistas brasileiros, desesperadamente tentando manter uma brasinha acesa debaixo das cinzas, e que você lê e fica se perguntando o quanto aquilo é sério, e o quanto é gozação. Então sim, a força da Monarquia Britânica é digna de respeito.

Discordo da estabilidade, entretanto. A rainha Victoria, no século XIX, cometeu um ato de rebeldia depois dos dezoito anos (sim, dezoito!) de vida, e pela primeira vez subiu as escadarias do palácio sem estar de mãos dadas com um adulto. Foi um choque. Em nosso jovem século XXI, já é a segunda princesa consecutiva que deixa de jurar obediência ao novo marido. Mas calma, tradicionalistas, nem tudo está perdido! Lady Kate, que já começa a mostrar as cutículas no momento em que prende seu cabelo apenas parcialmente para a cerimônia, ainda está proibida de carregar bolsas; de usar a bela cabeleira esvoaçante; de comer frutos do mar. Sim, para o resto da vida real. Cá entre nós... alguém acredita nisso? Mesmo? Que o jovem casal real, que mesmo antes do casamento já dividia o mesmo teto, vai deixar de curtir um sushi em uma dessas viagens picantes, assim que os paparazzi derem sossego, em prejuízo de alguma outra pobre celebridade? Essa, mes amis, não é nem para inglês ver.

Tradições são assim, que nem revestimento de prédio velho. Ou você renova de quando em quando, ou vai descascar e desbotar tudo. Vira ruína. Essas tradições que dão o charme especial da Monarquia Britânica vão aos poucos se desgastando pelas beiradas, e mais cedo ou mais tarde o que já acontece indoors acaba virando público, porque são coisas em quem ninguém pensa mais, no porquê ou no para quê. Tradições mortas mumificam, ainda que por força da imposição ainda passem um tempo posando de vivas. A Monarquia Britânica, nesse sentido, é uma espécie de "Vaticano com glamour"... ou o Vaticano é uma espécie de "Monarquia do Espírito", como preferir. Tradições mortas carecem de estabilidade porque, na Natureza, o que não evolui mais cedo ou mais tarde perece, inevitavelmente.

Com isso não quero dizer que a Monarquia Britânica morreu. Você viu que não morreu, e não morre tão cedo, pergunte à Dona Elizabeth. O charme dessa instituição, e suas tradições (mesmo que de faz-de-conta) são parte do que o britânico é. Como o chá das cinco e Sherlock Holmes. Tudo isso junto passa ao mundo a imagem de que o inglês é aquele cara formal, sério, fleugmático. Fui a Londres e levei um susto danado. O inglês, acreditem, é um dos caras mais gente boa da Europa! Boa vida, gozador, apaixonado, apesar do clima. Onde eu fui na Europa, mesmo do lado oriental, as pessoas com quem eu me dava melhor eram os ingleses. Nos quadrinhos, na TV, na música, os ingleses historicamente (e até hoje) estão sempre marcando pontos na turma da vanguarda.

Por isso, tenham certeza: a Monarquia deles é assim porque eles gostam! Porque eles são felizes tendo aquele teatro cheio de pompa e riqueza associado a sua imagem internacional. É mais fácil você tirar do inglês uma ilha inóspita e gelada abarrotada de pinguins no Atlântico Sul do que a coroa da Rainha, e olhe que isso também é tarefa ingrata, pergunte aos hermanos! Mesmo que (eu reparei...) todos cantem "God Save the Queen" na Basílica, e a Rainha permaneça caladinha. Deve ser constrangedor, convenhamos, cantar "God Save Myself".

Quer saber como é? Tente arrancar do brasileiro sua associação com o samba e com o futebol. É mais ou menos a mesma coisa.

Um comentário:

  1. Pode até ser um charme, Flávio. Mas é algo tão 'conto de fadas de mentirinha' quando comparado à minha vida de segunda a domingo, que fico pensando que eu nem de longe ia querer viver a vida de um monarca. Eu sou pobre de bens materiais, mas rica de bens morais! (Consolo...)

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