Pessoas com quem converso provavelmente já
me ouviram dizer algo que, sob minha ótica, se torna cada vez mais uma verdade
incontestável: ainda que se possa questionar a qualidade da cultura
estadunidense, se colocada em perspectiva contra diversas culturas europeias e
mesmo latino-americanas, em um aspecto eles são mestres absolutos: o entretenimento.
Entre os dias 9 e 16 de janeiro último,
tive a rara oportunidade de participar de um evento memorável: o primeiro (e
talvez único) cruzeiro marítimo Disney Star Wars, que abrangeu a programação
habitual do cruzeiro Disney (navio Disney
Fantasy), acrescida de um “Day at Sea” especial, dedicado inteiramente a
Star Wars.
Como de costume, a potência
Disney fagocitou uma franquia rentável, mas que parecia fadada à estagnação e à
condição de “caça-níqueis” a longo prazo, e reinventou-a dentro do “padrão
Disney”. Antes foram a Pixar, a Marvel, e agora é Star Wars. O “Day at Sea” fez
parte dessa campanha multimilionária de revitalização, quase simultâneo com o
lançamento do novo filme da franquia nos cinemas. E eu disse “rara”
oportunidade porque, de acordo com uma fala do Diretor de Eventos do navio, na
abertura de um dos shows a bordo, esta foi apenas a oitava vez que um cruzeiro
Disney teve uma viagem temática. Para se ter uma ideia, os cruzeiros
acontecem em diversas viagens em quatro transatlânticos, durante todo o ano,
desde a primeira viagem do Disney Magic
em 30 de julho de 1988.
O cruzeiro tinha o seguinte roteiro: Port
Canaveral (dia 1), alto mar (dia 2), Cozumel (dia 3), Grand Cayman (dia 4),
Star Wars Day at Sea (dia 5), alto mar (dia 6), Castaway Cay (dia 7), Port
Canaveral (dia 8). Estaria demais, embora fosse merecido, discorrer
aqui sobre por que participar de um cruzeiro Disney é uma experiência que todo
mundo deveria tentar viver, seja casado, solteiro, com filhos pequenos ou
grandes, jovem ou idoso. Essa viagem, em particular, teve esse temperinho
especial, e é sobre ele que quero falar aqui: Star Wars!
O embarque em Port Canaveral já deixava
perceber que seria uma viagem diferente. Por todos os lados eu via pessoas,
MUITAS pessoas, desde crianças pequenas até idosos, vestindo camisetas,
mochilas e outros adereços fazendo referência à série criada por George Lucas.
À minha frente, uma senhora subia as escadas rolantes completamente vestida de
R2D2. Vale destacar que o Disney Fantasy zarpou lotado, e tem capacidade para, além de seus 1500 tripulantes,
abrigar 4000 passageiros. Pelos meus cálculos empíricos, frutos da observação
ao longo de sete dias, cerca de 80% ou mais da lotação do navio era de fãs de
Star Wars, incluindo os pequenos padawans em processo de assimilação. Não sei
se isso fez dessa viagem a maior reunião de fãs da franquia de todos os tempos,
mas com certeza foi a única com tais características: milhares de fãs entre 1 e
95 anos, felizes e explicitamente entregues, em tempo integral, ao seu objeto
de adoração.
Duas vovós ewoks
Outra característica relevante de um
cruzeiro Disney é que você recebe a cada noite, em sua cabine, um exemplar do
jornal “Personal Navigator”, contendo uma programação de tudo que
acontecerá no navio no dia seguinte. Imaginem minha excitação na terça-feira à
noite, véspera do Star Wars Day, recebendo o cronograma. Algo, de cara, me
chamou a atenção: nos boletins anteriores constava sempre uma descrição
detalhada da localização exata de cada personagem Disney dentro do navio, para
que se tirassem as tradicionais fotos & autógrafos. Por exemplo: “Mickey
Mouse estará no deck 4 (balcão), entre 9:00AM e 9:30AM”. No caso do Star Wars
Day, isso foi substituído por uma extensa faixa, entre 8:30AM e 1:30PM, com os
dizeres: “Procure alguns de seus personagens favoritos de Star Wars nos decks
3, 4 e 5.”
A surpresa inicial foi seguida pela
compreensão acerca da genialidade dos organizadores. Num cruzeiro Disney
minimizam-se as filas o máximo possível, para evitar aglomerações e tumultos nos decks. Cada personagem fica disponível por 15 minutos para fotos, em diversas
seções ao longo da semana, exceção feita para celebridades VIPs como Mickey ou
as princesas, que se exibiam por meia hora de cada vez. Agora imagine os
personagens de Star Wars, dando as caras durante UM ÚNICO DIA, num navio lotado
por mais de 3000 fãs! Assim, não se marcaram seções. Você, como bom seguidor da
Força, deveria perambular pelos corredores dos decks esperando aleatoriamente
encontrar seus ídolos. O que, confesso, foi muito mais divertido!
Às 8:30AM, a família toda
adormecida, abri a porta da cabine acusticamente isolada e saí para o corredor
do deck 7, onde fui acolhido amorosamente pelos acordes da maravilhosa e
conhecidíssima trilha sonora composta por John Williams, que tocou nos autofalantes
do navio durante o dia inteiro. Segui para o tradicional café da manhã no
restaurante Cabanas, no deck 11. Enquanto comia, ouvi o primeiro comunicado do
comandante. A cada dia alguém da tripulação usava o sistema de som para
anunciar atividades, condições do clima, etc. Nesse dia, o que ouvi foi algo
mais ou menos assim: “Aqui fala o comandante do cruzador estelar imperial.
Comunico que Lord Darth Vader já se encontra a bordo, e alguns felizardos terão
a oportunidade de encontrá-lo pessoalmente”.
Com a "autoridade a bordo"
Vale acrescentar que, diante das
piscinas infantis, existe um gigantesco telão de cinema, que normalmente exibe desenhos Disney, como “A Dama e o Vagabundo”. No Star Wars
Day o telão exibiu, o dia inteiro, episódios da série animada “Rebels”, vez por
outra interrompidos pela imagem do tal “comandante de cruzador imperial”,
devidamente trajado em sua ponte de comando, anunciando presenças ilustres ou
alertando contra a possível presença de rebeldes a bordo. Nessas piscinas, duas
vezes pela manhã e uma à tarde, ocorreram as “pool patrols”: grupos de
stormtroopers surgiam no meio das pessoas procurando por eventuais rebeldes, em
alguns momentos encenando “gags” que, imaginei, tinham sido boladas por eles
mesmos. Apesar do sol forte, do calor e daquele bando de gente assediando em
trajes de banho, o bom humor dos soldados do Império exalava claramente das
armaduras mal-encaradas. Enquanto isso, do alto das torres do navio, os
passageiros eram desafiados por Bobba Fett (numa sessão) e assistiam os apuros
de R2D2 e C3PO (em outra).
Pool patrol
Durante a semana, todos os seis
filmes antigos da saga foram exibidos nos dois principais cinemas de bordo. No
Star Wars Day, tivemos uma sessão de “O retorno de Jedi” e seis sessões do novo
filme, “Star Wars – The Force Awakens”. Tive a oportunidade de rever o filme,
novamente em 3D, numa dessas sessões. Foi emocionante viver isso num cinema
lotado por fãs devotos. Sabres de luz, copos de bebida na forma de BB-8,
Chewbacca ou Bobba Fett, baldes de pipoca em forma de Darth Vader ou
tie-fighter, aplausos respeitosos no momento da aparição, na tela, de cada um
dos personagens principais da primeira trilogia.
Falando em emoção, uma outra atividade,
que teve cinco sessões ao longo do dia no “Walt Disney Theatre”, principal
cinema do navio, também me emocionou de verdade: uma amostra do “Trials of the Temple”, atração de Star Wars
que faz parte do novo pacote do parque dos estúdios Universal, em Orlando.
Grupos de crianças entre 3 e 10 anos foram divididos ao longo das cinco
sessões. Inicialmente, um mestre jedi (adulto) proferia uma breve palestra
sobre a Força; no subtexto evidente, lições sobre tolerância e
convivência pacífica, dicas sobre o uso dos recursos íntimos em prol do bem e
daquilo que se sonha alcançar. Em seguida cada criança, em trajes de padawan
e empunhando um sabre de luz verde, recebia lições práticas de uma sequência de
quatro golpes numa luta de sabres de luz. Então eram convocados para, usando a
Força, ajudarem a revelar um templo jedi oculto numa floresta, que surgia no
palco diante dos nossos olhos. Só que desse templo emergia ninguém menos que
Darth Vader em pessoa! No palco, um de cada vez, cada menino ou menina era
chamado para um combate individual com o Lorde Sith, fazendo uso dos quatro
golpes que já haviam treinado. Ao final, no momento mais crítico do conflito, o
grupo era salvo pela voz “etérea” do Mestre Yoda, e conseguia banir o vilão
definitivamente. Em uma palavra: mágico.
Padawan em ação
Outras atividades dignas de nota ao longo
desse dia memorável: “Padawan Crafts”: trabalhos manuais e desenhos feitos por
crianças com menos de 14 anos com a temática Star Wars; “Galaxy Designers”:
lições sobre como construir naves de Star Wars, também para crianças; “Padawan
Mind Challenge” e “Star Wars Superfan Contest”, dois desafios tipo “trivia” com
dois níveis de dificuldade. O último foi empolgante: só gente que, pela idade,
deve ter visto todos os filmes no cinema (não imagino quantas vezes), respondendo desde quem é o comandante
da Rebelião na primeira trilogia até o número da cela da Princesa Leia na
Estrela da Morte. Alguns caras reproduziam de cor inúmeras falas importantes do
filme, vírgula a vírgula.
Na parte da tarde, ocorreu no hall
principal do deck 3 o “Guest Costume Celebration”. Foi a confraternização de
todos os passageiros que aderiram ao cosplay, divididos em três blocos: a turma
do Bem, o Lado Negro da Força e os aliens. Estavam lá, impecáveis, Darth Maul, alguns
Kylo Rens, o Imperador Palpatine, um maravilhoso Obi-wan Kenobi e até Jabba,
the Hutt.
Aprendendo uns macetes da Força com o Mestre
Ás 7:15PM (detalhe: num cruzeiro Disney
NADA atrasa sequer dez minutos, nunca...) começou no deck 11 “Saga – Tales from
a Galaxy far, far away”, quando dois narradores recontaram os três filmes da
primeira trilogia com uma atuação simultânea dos personagens no palco, cujos
“atores” foram escolhidos de improviso ali mesmo, na hora, no meio da
audiência. Hilariante. Imediatamente em seguida começou a “Galactic Dance
Party”, quando um DJ tocou exclusivamente versões remix dançantes, espetaculares,
da trilha sonora de Star Wars, com exibição, no telão, de imagens
computadorizadas inspiradas nos filmes.
Esse dia espetacular terminou às 10:30PM
com “Summon the Force”, um espetáculo magistral no deck 11, com a presença de
todos os personagens “oficiais” a bordo, seguido de um belo show de fogos de
artifício. Depois disso, mais uma sessão de “Galactic Dance Party” que foi até
a meia-noite.
Ah, meu encontro com personagens? Dei sorte
em meu garimpo. Logo de início, andando rápido por um corredor deserto, quase
trombei numa esquina com um guarda gamorreano, aqueles do palácio do Jabba. Meu
grito de excitação fez uma tripulante rir: “parece que o senhor ganhou seu
dia”. Mal sabia ela. Em seguida, também me encontrei com uma sensualíssima Zam
Wesell. Dois oficiais da Estrela da Morte, uniformizados, passaram por mim
confabulando em pose marcial e tom grave, mas não se furtaram a tirar fotos.
Isso era legal: todos os atores estavam concentrados, imersos nos personagens,
porém conservavam uma cordialidade e delicadeza impecáveis para com os fãs.
Seguiram-se Darth Vader, Kylo Ren (que exibiu uma paciência e amabilidade
incompatíveis com o Lado Negro), stormtroopers, soldados imperiais, jawas, dois
engraçadíssimos exemplares do Povo da Areia de Tatooine, Bobba Fett... Pelo que
vi no show final, apenas me escaparam os droides e Mara Jade, mas também
encontrei cosplays espetaculares, como Obi-wan, Darth Maul, Palpatine,
Chewbacca, além de jedis e siths de todas as idades.
Com "O Cara"
Nem é preciso dizer que, durante toda a
semana, as três megalojas do navio venderam todo tipo de merchandise, de bolsas
térmicas temáticas a fantasias completas, passando por sabres de luz e bonecos.
Foi lançada uma série de cinco pins exclusivos, e você podia confeccionar um crachá
contendo sua designação (jedi, imperial, rebelde, ou nativo de diversos
planetas) e seu nome escrito em Aurebesh. O artista que bolou toda a arte do
merchandise do “Day at Sea”, John Henselmeyer, fez uma exposição de arte.
Crachá do jedi "Flávio Solo"
Resta mencionar aqui uma palestra
instrutiva com Wendy Anderson, “Imagineering Executive Creative Director” de
Star Wars nos parques Disney. Tudo bem que ela “escondeu o ouro”, resistindo a
falar muito sobre o Star Wars World, maior “extensão” dos parques temáticos da
Disney, a ser construído tanto em Orlando quanto na Costa Oeste, mas pude
conversar brevemente com ela após a palestra e perguntei se não havia planos
para a América Latina. Ela me disse que infelizmente não, mas sabia que no
Brasil havia uma enorme quantidade de fãs de Star Wars, e prometeu “dar uma
força” em nosso nome junto aos executivos. Saí com a sensação de que tudo é
possível para a Disney, se houver vislumbre de lucro na jogada, mas que, diante
do papel que nosso país anda prestando junto à comunidade econômica mundial,
penso que nossas chances melhorarão no dia em que, digamos, os rebeldes
conseguirem derrotar o Império.
Wendy Anderson
Em resumo, foi a viagem perfeita para todo
e qualquer turista, seja ou não fã da Disney e de Star Wars. Juntando tudo
isso, como no meu caso, foi inesquecível. Não sabemos se haverá novas
oportunidades. Wendy Anderson disse que a possibilidade de novos “Star Wars Day
at Sea” está “em negociações”. De qualquer forma, tenho certeza de que a
primeira experiência deve ter impressionado muito bem o pessoal da Disney. E,
como sabemos, “money talks”. Assim sendo, vamos torcer. Que a Força esteja conosco.
Deve ter sido uma experiência realmente muito interessante. Morri de inveja aqui (da boa). Ótimo texto!! Depois se puder postar mais fotos. Muito legal!
ResponderExcluirAdorei!!!!! Deve ter sido mesmo mágico e emocionante! Só senti falta de mais fotos. Por favor, post com um álbum completo.
ResponderExcluirQue a Força esteja com você. Beijos
Sensacional Flávio! Acabei de mostrar para meu filho de 13 anos que é fã como eu e o irmão mais novo dele! Ele disse que agora tem um objetivo de vida: viajar em um cruzeiro star Wars
ResponderExcluirTomara que haja outros, Daniel! Também não descarto um "retorno do jedi"... ;-)
ResponderExcluir