domingo, 10 de junho de 2012

Sturgeon e os Bárbaros



Quem acompanha este blog há de se lembrar de uma postagem antiga, sobre essas criaturinhas pusilânimes que ululam e pululam na internet, chamadas “trolls”. Mais recentemente, outra publicação sobre os “pobres de espírito”. Bem, pois considere esta publicação atual, fiel leitor, como a terceira parte da saga.  

     Talvez eu já tenha mencionado aqui Theodore Sturgeon, escritor de ficção científica falecido nos anos 80, autor dos roteiros de episódios célebres de Star Trek (TOS), como “Shore Leave” e “Amok Time”. Esse homem um dia pronunciou a preciosa frase que viria a ser imortalizada como a “Lei de Sturgeon”. Segundo ele, no que se refere à indústria cultural, “noventa por cento de tudo é lixo”.

     Produtos culturais surgem de mentes humanas. Seria um erro, entretanto, supor que, considerando os produtos finais, 90% dessas mentes também sejam lixo. Qualquer mente criadora tem seus bons e maus momentos, de acordo com a competência e a disposição da musa, mas ninguém é 100% feliz na criação. Alguns diriam que nem Deus acertou sempre, se pensarmos nos dinossauros, nas baratas e no jiló. O problema é quando algumas mentezinhas insistem em engrossar a fila pouco meritória dos 90%, e o fazem às vezes por incompetência, mas na maioria das vezes por razões menos nobres ou desculpáveis.

     Aquela fatia do fandom (grupo de fãs que adoram e discutem ficção científica, fantasia ou terror, e seus ambientes herméticos de convivência) que lida com a literatura fantástica (aka “litfan”) é composta, em sua maioria, por nerds. Não vou cair na tentação de dissecar aqui os tipos de nerd, porque já existe neste blog um tópico sobre isso. Mas, de qualquer forma, a visão que ordinariamente se tem de um nerd inclui, entre outras coisas, sua índole reflexiva e pacífica. Não, esqueça Columbine e outras distorções similares do Primeiro Mundo, vamos falar do “nerd normal”, se é que existe isso. Somos, na maioria, doidos mansos. Eis porque encaro, a princípio com perplexidade, a atual onda de agressividade orquestrada por um pequeno, porém barulhento grupo de nerds, que se autonomearam “arautos da moral e da qualidade” dentro da litfan (“moral” e “qualidade”, bem entendido, de acordo com seu conceito, às vezes muito exclusivo e pessoal).

     Há pessoas, e aqui talvez possamos, sim, estabelecer um paralelo com Columbine, que passam seus dias carregando as pressões das dificuldades econômicas, do bullying, da frustração das próprias expectativas e desejos, e que extravasam tudo isso por trás do volante de um carro, transformando-se em verdadeiros homicidas em potencial sobre quatro rodas. Isso é muito comum. Não espere, porém, que alguns nerds reajam da mesma forma, mesmo porque alguns nem possuem (ou pretendem possuir) carro. Esse tipo peculiar de nerd age diferente, mas com o mesmo efeito final: cria um blog e sai descendo sua borduna não convidada em textos, e sobretudo em autores, que não façam parte de seu grupelho, que não se importem com ele, ou simplesmente não sejam do agrado pessoal de um ou outro desses pilares da decência de calças sujas. Dois sinais muito eloquentes podem ser observados com frequência nesse tipo de blog, que denunciam claramente a má intenção que move seus atores: o anonimato, recurso habitual dos covardes, e as impiedosas críticas a detalhes, no caso de autores, que absolutamente nada têm a ver com suas obras: defeitos físicos, peculiaridades comportamentais da vida pessoal, etc. O objetivo, obviamente, é destruir, ofender, diminuir, ainda que essas cabeças ocas depois repousem num travesseiro e se justifiquem, afirmando serem “agitadores das coisas”. Grandes coisas...

     Esses “nerds bárbaros”, ou “barbanerds”, não percebem que depõem contra si mesmos (aqueles que têm a decência de se identificarem, claro). Não são capazes de escapar de uma imagem de incompetência (não sei fazer, então destruo), mau caráter (não gosto, então humilho) ou pobreza de espírito (estou aqui para dizer umas verdades que ninguém diz). Verdades. OK...rs*

     Barbanerds nem sequer podem ser considerados legítimos amantes da litfan, pois em sua miopia de entendimento não percebem (ou pouco estão se lixando para) o fato de que estão prestando um desserviço a um gênero que já sofre para conquistar seu espaço no ambiente cultural brasileiro, sem precisar dessa gentinha promovendo a discórdia. Falta paciência, falta tolerância, mas falta, acima de tudo, bondade e humildade nessas pessoas, cuja sensação de triunfo, após um de seus ataques estúpidos, eu duvido que dure mais que um dia ou dois, substituída por um provável amargor de quem se sente uma pessoa ruim.

     Algum deles vai acabar lendo estas linhas e, com certeza, seus comentários a respeito serão algo como “essa panelinha está desesperada com nossas humilhações sucessivas...KKKKKKK”, ou partirão para ataques pessoais, proclamando a minha própria obtusidade, hipocrisia, ou alguma outra idiotice semelhante. Aguardem. Espiem. Espero que não demore, para que os fatos, mais que minhas insuficientes palavras, deem ao leitor a real medida do quanto, como disse Sturgeon, 90% de tudo é lixo. Em algumas mentes pouco favorecidas, parece chegar a 100%.

10 comentários:

  1. Oi Flávio, ótimo post como sempre. Tenho uma estória boa sobre esses nerds ( sou considerado nerd até pela minha avó, e meus filhos, que aliás são nerds ). Faz uns bons anos em 1993 descíamos para o "bandeijão" da USP de São Carlos, eu, meus amigos Raul "Uisquisito", e o meu amigo saudoso Marcelo ( finado, faleceu no final do ano, era nosso paladino nas aventuras de AD&D ). De repente , o Marcelo vira pra mim para o Uisque e diz "Gente eu não encano não, eu sei que a gente é estranho mesmo, não é ?". Eu olhei pra cara do Uisque e ele olhou pra mim, e e falamos, com bom humor, "Somos estranhos PORRA nenhuma" HEHEHEHHEHEHE Obrigado por este post, me faz passar menos raiva nos forums do Imdb. Sabendo que alguém também percebeu esse nerds bárbaros, com sutileza, e teve a a grandeza de traduzir em texto inteligente esse comportamento que tanto me causa raiva ;-)

    ResponderExcluir
  2. Acho que nosso melhor parceiro nessa ocasiões é o sistema de moderação! :) Isso, claro, quando existe esse recurso. :(
    E, na maioria das vezes, infelizmente, as críticas negativas são apenas trollcríticas irrelevantes. Coisas do tipo: "Isso que você fez é uma %$#$@!", sem um "por que" depois...
    Ri muito do Uisque, o amigo Uisquisito do colega do comentário acima. Nós nerds às vezes não admitimos nossa nerdice. No meu caso, tenho um amigo chamado Alex, o Alexnígena! :) Um grande abraço!

    ResponderExcluir
  3. Amigos, não se envergonhem de ser nerds. Estamos na moda, tanto que até aparecem esses fraldas sujas posando de nerds, sendo que ferem totalmente o "espírito da coisa". A propósito, na minha turma de faculdade tinha um desses nerds classe A; chamava-se Marco Micróbio...rs*

    ResponderExcluir
  4. O Raul detesta que eu chame ele de Uisque. Hoje faz tempo que não o vejo, só por email. Mas ele trabalhou uns 12 anos fazendo automação de metrô e hoje é auditor fiscal. O sujeito é um gênio, o problema é ele ter paciência. Ele resolvia listas de cálculo usando calculadora e não entendia porque o professor não considerava as respostas dele. O Uisque se orgulhava, e pelo que entendi até o pai dele, de ter batido o carro porque viu na rua uma moça bem gost..., opa , de belas formas ;-)

    ResponderExcluir
  5. Fiquei curioso para saber de quem o blog fala. Ser um pouco alheio faz com quem você não perceba as indiretas, haha.

    ResponderExcluir
  6. Arthur, pode saber que é de gente que está trabalhando firme. No reino da inveja gratuita, é só você apontar a cabeça acima da multidão, que já vira alvo de pedradas...

    ResponderExcluir
  7. Arthur, para vc ter uma ideia: no Imdb, tem adolescentes nerds com problemas sérios psicológicos e sexuais. Eles entram em forums sobre Battlestar Galactica, e mandam um post mais ou menos assim: "this series sucks because it believes in God". Então você tenta argumentar, e eles vem com ladainha e adjetivação ( segundo o Drummond isso é falta de assunto, coisa de jovem ). Outro dia defendi a série Terra Nova e concordei com um participante, um desses seres, por causa disso começou a achar que eu e esse outro participante éramos a mesma pessoa. Como o Flávio fala, é uma compensação por ser na vida real um ser insignificante por culpa deles mesmos.

    ResponderExcluir
  8. Flávio, já vi pelo menos um post por lá de uma pessoa que considero séria (a Janaina Corral, que até assinou a matéria) e um outro que, se for estritamente verídico, corrobora a opinião do resto do blog sobre um certo estado não-profissional de coisas, a qual, é claro, é algo generalizada e composta com certas experiências pessoais ruins por parte dos blogueiros. Concordo com você que o anonimato é a característica que mais depõe contra alguns deles. E de que temos que separar um estilo meramemte vitriólico da conformidade aos fatos. As opiniões mais virulentas e cheias de "righteousness" contra comportamentos pessoais questionáveis, porém, devem ser separadas quanto às reais críticas contra uma tendência a se dar mais valor às relações pessoais do que ao mérito.

    Admitindo que seria uma característica brasileira esta importação do modelo da "cosa-nostra" siciliana em vários aspectos da nossa sociedade, usar isto a nosso favor passa antes pelo reforço positivo das boas características, mas também pela admissão de que só se pode ultrapassar certas "barreiras de potencial" se apontarmos antes os nossos próprios pontos falhos entre nós. Independente das motivações pessoais para se enfatizar um ou outro aspecto questionável do alheio, lugares de crítica devem ser mais fomentados que reprimidos. A Lei de Sturgeon deveria se referir antes a que se deve ter uma massa crítica prévia para que possam surgir produtos de qualidade não efêmera, mas nunca de que seria inevitável o descarte da esmagadora maioria (e aí isso me parece mais um reflexo da nossa distorcida e doente sociedade de consumo).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo, Ricardo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O problema é que críticas que poderiam ser aproveitáveis acabam descendo pela descarga quando o crítico não se contém e deixa transparecer sua má intenção. Um bolo de chocolate, se leva na receita meio copo de água de esgoto, eu não como.

      Excluir
  9. Seja bem-vindo, Ulisses! Sim, vou passar por lá. Abraço!

    ResponderExcluir